Refúgio - Capítulo Um

 



 Bianca diz que houve um tempo em que nossos pais se amavam, que juravam amor eterno e se beijavam na calada da noite, quando achavam que Bia não podia vê-los, ouvi-los ou sentir as vibrações de suas palavras no ar.

 Acho difícil de acreditar que houve algum dia em que eles realmente se amaram. Ou que amaram a prole que eles mesmos trouxeram ao mundo e criaram. Talvez tenham nos amado. Nos criaram por tempo o bastante para nos odiar antes de largar-nos a própria sorte.


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 Eu tinha cinco anos quando ouvi-os brigar pela primeira vez.

 Por minha causa.


一 Nico precisa praticar alguma arte marcial. 一 Berrou minha mãe.


 Meu pai balançou a cabeça, exasperado.


一 Ele é muito novo pra isso. 一 Argumentou. 一 Vai se machucar ainda mais nas aulas do que se machuca na escola.


一 Aqueles garotos batem nele, Hades. 一 Emoção transbordava na voz dela. 一 Você acha que ele vai se machucar mais se aprender a se defender? Ele é muito novo é pra ter que passar por isso.


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 Bullying sempre foi algo recorrente na minha vida. Eu era considerado meio anormal quando pequeno: quieto demais, reservado demais ou animado demais com os assuntos que me interessavam. Cresci com uma aparência angelical e nunca tive uma alta estatura, o que levou os outros a me criticarem por eu ser "delicado demais".

 Me chamavam de menininha, de afeminado, gritavam que eu deveria falar como um homem, zombavam das minhas tentativas de fazer amizade, pegavam no meu pé por uma letrinha bonita que eu fizesse no caderno. Era um inferno completo.

 Na época que o bullying começou a se tornar físico, meus pais eram chamados com frequência pelo diretor, que só queria que meus pais me colocassem em algum programa que oferecesse aulas de arte marcial. Mas eles não entravam em consenso.

 O diretor, cansado da situação e com pena de mim, sentado na sala dele com um ferimento diferente toda semana, dia sim ou dia também, mudou todo o cronograma para que os alunos com melhores notas fossem colocados numa atividade extracurricular de auto-defesa.

 Cara, o senhor D. é meu herói até hoje.

 


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