Meus pais se divorciaram quando eu tinha dez anos. Bianca tinha doze na época e tomou para si a missão de cuidar de mim, já que nosso pai jamais daria conta disso.
Fomos morar com ele em uma vizinhança pequena de gente rica com filhos traumatizados. Moças e rapazes contidos em suas lembranças difíceis de digerir. De certa forma, nos encaixávamos nesse quesito, mas não nos sentíamos confortáveis de brincar ou conversar com aqueles jovens adolescentes deprimidos.
Bianca achou uma casa na árvore abandonada, fora dos limites da propriedade, bem perto de uma floresta que cercava o condomínio Olímpio. Tinha uma caixa grande e impermeável, cheia de cartas, cadernos e bilhetes. As paredes de madeira tinham retalhos feitos com um estilete enferrujado que estava em cima da caixa.
Ela me mostrou aquele lugar. Me disse para colocar para fora tudo o que eu sentia e pensava, antes que os sentimentos e meus pensamentos me sufocassem.
Acatei aquela ideia como um mandamento.
Ia para lá depois de um dia difícil na escola nova. Depois de uma conversa complicada com nosso pai na mesa de jantar. Ás vezes no meio da noite, quando acordava de um pesadelo ou quando sentia falta das melodias que mamãe cantarolava para que eu dormisse.
Inicialmente, eu só falava com o vazio. Mas falar era mais difícil do que sentir, muitas das vezes, então passei a levar um caderno e caneta. Escrevia cada pensamento, cada frase que me marcou, descrevia cada sentimento. Escrevia até meu pulso doer e meus olhos pesarem.
Quando completei onze anos, a própria Bianca me deu uma caixa impermeável, para que eu guardasse coisas dentro dela. A primeira coisa que guardei naquela caixa foi um caderno grande, completamente preenchido de mim. Cru e inevitavelmente verdadeiro.
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