Descanse o coração - Capítulo Seis


 


 19 de fevereiro de 2011



 Era madrugada e eu estava ouvindo um audiobook enquanto jogava Super Mario Bros, trancado no quarto e morrendo infinitas vezes no jogo porque um certo loirinho não saía da minha cabeça. As palavras do narrador entravam por um ouvido e saíam pelo outro, tal era a atenção que eu conseguia dedicar ao que ele falava.

 Saudade apertava meu peito. Ansiedade me corroendo até o osso. Eu queria saber como Will agiria depois que dei um selinho nele. Estava praticamente morrendo pela ansiedade de saber como ele reagiria a isso. Me arrependo da atitude que tomei? Em momento nenhum.

 Será que ele gostou? Será que eu forcei a barra? Se ele quisesse fazer algo, teria feito, não é? Será que eu deveria ter ficado pra ver como ele reagiria? Será que eu deveria ter olhado sua expressão? Será que eu não deveria ter perguntado a ele se eu podia beijá-lo? Não seria melhor eu mandar mensagem pra ele sobre isso? Apenas pra me certificar de que ele está bem, que eu não ultrapassei os limites.

 Pausei o jogo e o audiobook, pegando o celular e abrindo nosso registro de conversa. A última mensagem foi do dia anterior, pela manhã, quando perguntei a ele que horas ele ia sair de casa para nos encontrarmos na minha porta. Mordisquei a unha do dedão enquanto refletia sobre quais palavras usar. Eu queria ser delicado ao averiguar sua reação.

 Mas, ao mesmo tempo em que digitava a mensagem, ouvi batidas na minha janela. Meu quarto não é totalmente fechado. Tem uma espécie de varanda que conecta com o quintal amplo, que é cercado por um muro de 2 metros e meio de altura. No meu quarto tem uma porta de vidro de correr com cortinas, pesadas em tom de creme, que a cobre.

 Nada no mundo me preparou para o susto que eu levei. Quando olhei para uma das janelas, que dá na varanda, abertas, vi também uma mão que conheço muito bem. Me levantei depressa e fui até a porta de correr, abrindo-a. Nada mais e nada menos que Will Solace estava lá, um sorriso bobo no rosto um pouco sujinho.

 Ele vestia uma camisa preta de manga cumprida e uma calça preta colada que são um conjunto de segunda pele para frio. Uma bermuda azul por cima da calça e chinelos brancos bastante sujos de terra. Havia uma ou duas folhas entre seus cachos. Quando ele ergueu a mão, percebi arranhões em seus dedos e palma.


一 Mas o que caralhos aconteceu com você? 一 Perguntei.


一 Bom dia pra você também, meu trevoso namorado. 一 Implicou, pondo uma mão na cintura e apoiando a outra no guarda-corpo. 一 É um prazer vê-lo também. Nossa. Também estava ansioso por te ver. Que consideração a sua me chamar pra sair desse frio.


 Encarei-o seriamente, o coração ainda acelerado do susto que eu levei. Peguei sua mão e a coloquei sobre meu coração. Ele parou de implicar, mordendo o lábio, e deu sorriso amarelo.


一 Er... Não te matei do coração, pelo menos. 一 Riu sem jeito. 一 Desculpa, Neecks.


一 Você me aparece de madrugada na minha varanda e espera que eu te receba bem? Solace, está de madrugada e você está na porra da minha varanda. 一 Frisei cada palavra, talvez um pouco irritadiço. Eu realmente precisava dormir, pelo menos um pouquinho. 一 Você sabe o que é uma porta da frente?


一 Sei, mas seus pais me matariam se eu passasse pelo quintal da frente a essa hora da noite.


一 Exatamente. 一 Parei por um segundinho. 一 Peraí, como caralhos você está aqui se não passou pelo quintal da frente?


一 Eu... pulei o muro?


一 O muro?


一 É...


一 Pulou o muro?


一 Em resumo... é.


O muro que tem mais de 2 metros e meio, Will Solace?


一 É?


一 Puta que pariu. Como caralhos você conseguiu essa proeza?


一 O vizinho tem uma árvore bem escalável.


一 VOCÊ INVADIU O QUINTAL DO VIZINHO?


 Mal terminei de falar (cofcofgritarcofcofcof) e logo senti sua mão cobrir minha boca.


一 Amor, amorzinho da minha vida, será que você pode não gritar isso a essa hora? Talvez nunca na sua vida? Por favor e obrigado.


 Aí ele soltou minha boca.


一 Por favor, Will, me diz que você não invadiu o quintal do vizinho pra invadir o meu.


一 Nico, eu odeio mentir pra você. Não posso fazer isso.


 Esfreguei o rosto com as mãos, me afastando e dando passagem para ele entrar no meu quarto. Will o fez, fechando a porta de correr logo após entrar.


一 Ui, tá quentinho aqui dentro.


一 Pelos deuses, Willie. 一 Choraminguei, sem acreditar. 一 Você caiu da árvore? A husky do vizinho te perseguiu pelo quintal? O que raios aconteceu pra você estar esse caos?


一 Mais ou menos isso. A husky tava no quintal, fez que ia me seguir, mas só queria brincar. Subi na árvore depressa e pulei o muro, mas acabei caindo.


一 Machucou alguma coisa?


一 Além do orgulho?


 Ri de sua piada, meu coração sossegando aos poucos. Inspiro fundo para regular meus batimentos cardíacos e clarear minha mente. Logo que expiro, uma pergunta me ocorre.


一 O que está fazendo aqui?


一 O quê?


一 Por que está aqui? Por que veio?


 Seu rosto adquiriu um leve e adorável tom cor-de-rosa.

 Fofo, pensei.

 Mas havia um brilho em seu olhar geralmente cristalino. Um brilho extasiado.


一 Você esqueceu do selinho que me deu, Nico? 一 Seu sorriso surge lentamente, como se ele estivesse sonhando com a cena. 一 Nunca me senti como quando você me beijou tão brevemente... Tal qual um sonho.


 Um suspiro lhe escapou os lábios e meu coração descompassou outra vez.


一 Estou andando em nuvens desde então. Quis tanto te ver que vim, no meio da madrugada, sem pensar duas vezes a respeito. 一 Um passo a frente, poucos centímetros de uma distância que eu não queria que existisse.


一 Queria me ver?


一 Sim...


一 Bem, você está aqui, Senhor Impulsivo.


 Sua mão segura minha bochecha suavemente, a testa descansando sobre a minha. Passo minhas mão contemplativamente por seus braços. Meu coração martelando em meu peito quando ele olha pra minha boca avidamente. Sua respiração está rasa.


一 Você... se importaria?


一 Me importaria com o quê, Solace?


一 Se eu te beijasse. 一 Provoca, roçando os lábios nos meus bem de levinho. 一 Parece que estou diante de uma cachoeira de água doce depois de passar dez anos em um deserto.


一 Você teria morrido...


一 Talvez sim. 一 Seus olhos encontram os meus. 一 Mas eu tenho você. E preciso, mais do que quero, te beijar.


一 Você quer muito me beijar?


一 Assombrosamente. Desde o nosso segundo mês de amizade.


 Enlaço seu pescoço com meus braços, tornando a distância ainda mais curta. Apenas um suspiro nos separa e eu sei que ele está perdendo a sanidade com isso. Seus olhos estão quase completamente obscurecidos pelas pupilas dilatadas. Sinto suas mãos apertarem minha cintura e me puxarem mais contra ele, como se pudesse fundir nossos corpos apenas na força do querer.

 Um pouco mais alto que um sussurro, digo:


一 Você não é o único com desejos, Willie.


一 Eu sei... Posso te beijar?


一 Nunca proibi.



Comentários