P&UV -- XVI -- Minha primeira rebeldia

 



 Eu poderia passar a eternidade beijando Will, porém o universo tinha outros planos para nós naquele momento. Os irmãos Stoll simplesmente escancararam a porta da sala em que estávamos, com um Quíron muito pasmo atrás deles. O tesão se esvaiu na mesma hora. O meu namorado catou sua camisa e eu desenvolvi um repentino interesse pelo meu colar de prata.

 Connor só faltou acabar com o ar da sala de tanto que inalou enquanto processava tudo. Travis riu, tipo pra caralho. Vergonha não chegava nem perto do que eu senti naquele momento. Eu queria morrer, afundar, virar uma poça de água e evaporar. Solace pigarreou, limpando a garganta. Quíron cruzou os braços e nos reprovou com o olhar.


一 Para a diretoria, sr. Di Angelo e sr. Solace. 一 Ele ordenou, mortalmente sério.


 Engoli em seco e saí de cima da mesa. Segui o vice-diretor, lado a lado com Andrew. O loiro discretamente pegou a minha mão. Entrelacei meus dedos aos dele, lembrando da regra que tínhamos acabado de infringir. Não me arrependia do que aconteceu (e nem me arrependo), apenas apreensivo por ter sido pego. Senti um aperto mais forte e olhei para Will. Vai ficar tudo bem, disse sem som. Não vou deixar machucarem você.

 O sr. D. não ergueu os olhos de seus papéis, parecendo infeliz de lê-los. Quíron chamou sua atenção para nós, relatando a ele o que viu. O diretor nos olhava como se estivesse surpreso. Fiquei de braços cruzados o tempo inteiro, me tranquilizando porque seria apenas uma advertência boba e pronto. Já falei que o mundo me odeia? Não?


一 Logo vocês. 一 Pronunciou-se o sr. D., a voz carregada de reprovação. 一 Nossos alunos mais responsáveis e o único casal com a cabeça no lugar.


 Revirei os olhos, achando aquilo um exagero.


一 Conheço vocês desde que tinham oito anos e jamais imaginei que seriam capazes de algo do gênero, mesmo após assumirem um relacionamento mais profundo. 一 Prosseguiu.


 Senti o braço de William em minha cintura. Me encostei nele, sendo brevemente arrastado ao dia em que ele me pediu em namoro. Um dos meus momentos favoritos da vida toda. Digo isso a todos os meus amigos quando nos recordamos disso. Resisti a vontade de beijar o loiro.

 O diretor anotou algo em sua caderneta.


一 Voltem para a sala. 一 Ordenou, pegando o telefone fixo ao seu lado. 一 Ligarei para seus pais virem aqui. Conversarei com eles.


 Pânico me invadiu o peito.


一 Não, por favor. 一 Dei um passo a frente. 一 Meu pai não pode ficar sabendo disso. Ele vai brigar horrores comigo. Por favor.


 Quíron negou com a cabeça.


一 Não podemos fazer nada a esse respeito. 一 Respondeu. 一 Você tomou uma decisão e deve lidar com as consequências de seus atos.


一 Mas...


一 Vão para a aula. 一 Mandou o sr. D.


 Sem ter mais o que falar, obedecemos. Os corredores estavam vazios. Esperava que os irmãos Stoll aparecessem para nos zoar ou algo do tipo, mas não ocorreu. Só conseguia pensar no meu pai e na reação dele quando lhe contassem o que rolou. Bianca, então. Ou iria me defender ou me dar bronca, tinha certeza. A verdade era que eu estava com medo das consequências, apesar de ter vontade de repetir a ação.



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 Leo conversava comigo, aconchegado em Frank, quando fui chamado a diretoria. Eu tinha a sensação de que ia morrer. Olhei para Will assim que seu nome foi chamado também. Ele assentiu, sério, e se levantou. Segui seu exemplo. A sala toda nos olhava com curiosidade, o que me fez querer cavar um buraco e entrar nele.

 Busquei conforto na expressão do meu namorado. Ao notar que eu o encarava, pegou na minha mão. Tentei decorar cada traço dele porque eu sabia o que iria acontecer. Era capaz de eu ter o mesmo destino que a Rapunzel, trancado em uma torre. Apertei mais seus dedos nos meus, apreensivo.

 Antes de entrarmos, confessei que estava com medo do que viria a seguir e ele me beijou. Sussurrou que ia ficar tudo bem. Abracei-o forte, enterrando o rosto em seu peito. Inalei o máximo de perfume que consegui na esperança de que lembrasse mais nitidamente do aconchego que ele me causa ao invés da brinca que iria levar.

 Reuni coragem e entramos.

 Cara... O olhar do meu pai naquele momento foi o pior que eu já testemunhei na vida. O sr. D. nem se deu o trabalho de olhar para mim e para William. O dr. Solace não parecia muito irritado, na verdade. Estava apenas sério, mas não realmente bravo conosco. Hades, esse sim parecia que ia atear fogo ao mundo inteiro, se pudesse.


一 Sr. Di Angelo e sr. Solace. 一 Quíron se referia a mim e ao meu namorado. 一 Seus pais já estão cientes de tudo. Os dois estão suspensos por dois dias.


 Praguejei mentalmente. Seriam dois dias de puro inferno, com certeza. Bianca, a essa altura, já devia estar sabendo também. Era só torcer para que ao menos ela ficasse do meu lado nessa história. Eu daria tudo para que tivéssemos continuado os beijos em outro lugar, mais reservado e com menos possibilidade dos irmãos Stoll nos ouvirem.

 Will passou o braço por meus ombros, me trazendo de volta a realidade fria. Meu progenitor me fuzilou com o olhar e eu sabia que aquilo significava morte. Apolo estava bem tranquilo. O sr. D. nos dispensou e nos mandou ir pra casa. Troquei um último olhar com o meu sol antes de seguir meu pai.



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一 Você não te vergonha? 一 Gritou Hades assim que entramos em casa.


 Hazel estava gripada e por isso tinha faltado na escola. Ao ouvir os gritos de nosso pai, veio até a sala correndo. Engoli a vontade de responde a sua pergunta. Olhei para Haz na procura por apoio, mas ela parecia tão confusa que nem adiantava de nada pedir ajuda a ela. Fiquei de costas para papai enquanto ele fechava ruidosamente a porta.


一 Não sabe o tamanho do constrangimento que me fez passar, Nico?


 Ignorei-o porque assim era mais fácil de segurar as lágrimas. Ele me puxou pelo cotovelo quando ameacei sair dali.


一 Me solta. 一 Disse com firmeza.


 Ele resistiu.


一 Me solte!


 A força empregada no ato de me manter no lugar me fez lembrar de uma certa pessoa. Comecei a chorar. Tentei me desvencilhar dele, mas não funcionou. O controle que eu tinha sob minha respiração se perdeu. Olhei-nos olhos, com medo dele e de lembrança que ainda me corroíam de dentro para fora. Reuni o resto de voz que eu tinha.


一 Me solte...


 Hades o fez e esfreguei o cotovelo dolorido. Mantive uma boa distância dele. Hazel veio até mim, me abraçando na tentativa de me acalmar. Eu queria sumir, evaporar, desaparecer, morrer... Tudo o que me tirasse dali o mais rápido quanto fosse possível. Eu queria estar em qualquer outro lugar que ali, na presença do meu pai e com as piores recordações rebobinando na minha cabeça.

 Bianca chegou pouco depois, olhou de mim para nosso pai e perguntou o que houve. Ninguém respondeu. A cena era autoexplicativa. Haz não me largou e quase a agradeci por isso. Era bom ter o aconchego de alguém em um momento como esse. Bia buscou algo no meu olhar. Pedi ajuda através dele e ela pareceu captar.


一 Pai, não precisa de tudo isso. 一 Ela interveio.


 Mas Hades não deu atenção. Estendeu a mão.


一 O celular. 一 Exigiu.


 A contragosto, entreguei a ele.


一 Vai ficar toda a suspensão de castigo. 一 Anunciou, desbloqueando. 一 Vai terminar com Will e trocar de turma assim que voltar a escola.


一 Pai! 一 Protestei.


一 Sem "mas"!!! Eu sou a autoridade e sei o que é melhor pra você!


一 Não, você não sabe... 一 Saí do abraço. 


一 Sei mais do que ninguém.


一 Você não é...


 Ouvi o tapa antes de senti-lo. Todo o lado esquerdo do meu rosto ardeu.


一 Pro seu quarto.


一 Você...


一 Pro seu quarto! Agora!!!






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