Leo não foi na aula nos dias seguintes. Faltou a semana inteira. Eu poderia ter lidado com isso numa boa, mas ele não atendia minhas ligações ou respondia as minhas trezentas mensagens, coisa que me deixou preocupado de verdade. O pior? Era semana de provas.
Diferentemente de Leo, Frank compareceu as aulas, mas não lidou bem quando soube da viralização do vídeo nas redes sociais. Por onde passava, alguns malandros lhe recebiam com tapinhas nas costas, como se foder com alguém em uma festa fosse um grande feito que merecesse parabenização.
Hazel faltou dois dias, para se preparar tanto para as provas quanto encarar Frank pela primeira vez após o incidente. A nossa mesa do refeitório nunca esteve tão tensa. Jason nos contou, tentando quebrar o gelo, que não voltou a festa depois de deixar Percy em casa e foi para a sua, mas ninguém ligou para o que ele dizia.
Piper e Annabeth estavam sentadas juntas, observando Haz e Zhang como se aquela fosse uma interessante rodada de badminton. Grover acenou para mim quando me viu e sentou ao lado da namorada Juniper, em outra mesa. Ninguém abriu a boca para dizer um "a" depois de Jason. Ninguém tinha coragem.
Quanto a Will e eu. Estávamos indo bem. Saíamos juntos no fim de semanas e nos sentávamos um do lado do outro durante as aulas, trocando bilhetinhos enquanto ninguém olhava. Não contei a ninguém sobre o nosso juramento de amor mútuo na festa, porque eu sabia que meus amigos ficariam com inveja e mágoa por causa disso.
Tudo dando terrivelmente errado com Leo, meu melhor amigo, e eu preocupado com minha vida amorosa? Essa falta de contexto faz parecer que eu não me importava, mas eu me importava sim. E muito. Só que não sabia o que fazer para reconfortá-lo e fazer tudo ficar bem, se é que havia um jeito.
No sábado, fui à casa de Leo, levando comigo todas as provas que ele precisavam fazer. Bati na porta, mas não fui atendido. Esperei um pouco e bati de novo. Contudo, não obtive resposta. Suspirei e tentei o código secreto que usávamos quando crianças. Demorou só mais um quarto de minuto para a porta abrir.
Leo estava tão sério que meu primeiro pensamento foi que eu estava me olhando no espelho. Os olhos escuros estavam vazios. O cabelo estava bagunçado de um jeito organizado. Os ombros estavam caídos de exaustão emocional. E a expressão mórbida era digna de mim. Mas não era um espelho o que eu via, e sim o meu melhor amigo.
一 Leo, eu...
Ele me interrompeu.
一 Entra logo e me diz o que você quer aqui. Depois, vaza.
Sua voz era seca e áspera, como se ele não tomasse água há dias.
Entrei na casa dele e esperei-o trancar a porta outra vez. Leo me conduziu até a sala. A TV estava desligada, mas havia Legos na mesa de centro. O que ele construía? Eu não tinha ideia, mas não ousei perguntar sobre ou tentar adivinhar. Entreguei as folhas a ele.
一 Você perdeu a semana de provas. Os professores me pediram para te dar e você devolver respondido semana que vem. Eu posso até te ajudar.
Leo me fuzilou com o olhar.
一 Dispenso sua "ajuda".
一 Por que? Eu poderia...
一 Não preciso da sua misericórdia! Muito menos de seus favores! 一 Gritou, me fazendo recuar.
Senti mais apreensão por ele do que medo do seu tom de voz, como seria o normal.
一 Leo, eu sinto muito.
一 Não preciso da sua pena. 一 Retrucou ele. 一 Não preciso de sua solidariedade. Eu não preciso... De você!
A cada palavra, o meu peito se apertou. Eu queria abraçá-lo, mas ele estava com raiva e me estapearia. Então, ele avançou. Fechei os olhos e esperei pelo tapa, mas ele não veio. Lágrimas se acumularam nos meus olhos e escorreram pelo meu rosto. Leo começou a chorar de raiva.
一 Depois que eu caí na pista de dança, passei mal da bebida. 一 Contou ele. 一 Frank me ajudou e fomos para um quarto, para que ninguém me visse daquele jeito.
Ele parou, respirou fundo, me olhou de um jeito indecifrável e apontou o sofá, o universal "senta que lá vem história". Me sentei e ele também.
一 Eu não lembro quando foi que rolou ou quem tomou a iniciativa, mas, depois de um tempo, já estávamos seminus.
Assenti, sem ter o que falar.
一 Já no ato, alguém abriu a porta, gravou e o vídeo viralizou. Começaram a bater e ameaçar pouco depois que a porta fechou. Nisso, Frank e eu já tínhamos gozado, nos lavado e vestido nossas respectivas roupas. Rachel enxotou todo mundo, nos ajudou a sair pela porta dos fundos e deu carona pra mim e para Hazel.
Leo ainda chorava de raiva. Limpou as lágrimas e continuou.
一 Meus pais ficaram tão bravos pelo horário e pelo cheiro de álcool que confiscaram meu celular. Viram tudo: mensagens, emails, conversas, os canais que eu sou inscrito, dm's, postagens em redes sociais e... o vídeo que eu nem sabia da existência até aquele momento.
Ele fungou.
一 Meu pai ficou furioso, mas minha mãe o controlou e, juntos, eles correram atrás de derrubar o vídeo. Denunciaram o conteúdo como pornografia infantil e o vídeo foi banido. Todos que tentam republicar têm sua conta apagada. E, por fim, Nyssa hackeou o celular de todo mundo pelo Twitter e apagou o vídeo da galeria e da lixeira. Nem tem nada na nuvem.
Eu teria comemorado se ele não estivesse tão irritado.
一 Leo, isso é...
一 Uma pequena vitória? Ter sido convidado para a festa também era e olha o problema que ela me causou.
O silêncio ficou. A culpa remoía minhas veias e corroía os meus órgãos. Eu não sabia o que falar e, desconfiava eu, que nem podia. Leo estava com uma determinação incomum nos olhos. Nada do que eu fizesse adiantaria, nada do que eu falasse mudaria alguma coisa, nada do que eu demonstrasse o comoveria. Absolutamente nada seria diferente.
一 Me contaram que você abriu a porta. 一 Leo jogou a carta na mesa.
Fui incapaz de enxugar as lágrimas.
一 Sim, fui eu. 一 Confirmei. 一 Mas eu não gravei aquele vídeo.
一 Eu sei. 一 Ele murmurou. 一 Nyssa viu seu histórico. Disse que você deu strike em sete daqueles vídeos.
Assenti, minha visão embaçada. Leo se levantou, então eu fiz o mesmo. Meus ouvidos chiavam com o barulho de chuva. Meu melhor amigo me levou até a porta e a destrancou. Após abri-la, ficou me encarando, me dizendo sem usar palavras para eu ir embora. Ao passar, ele disse:
一 E trate de nunca mais falar comigo. Vou mudar de escola próxima semana.
Meu mundo caiu. Me virei e o olhei, suplicando.
一 Leo, por favor. Não faz isso.
一 Eu preciso.
一 Não faz isso comigo, por favor.
Eu era uma confusão de choro e soluços.
一 Eu não posso perder outra pessoa que eu amo. Eu não posso perder alguém de novo.
Leo fechou a porta, o que considerei o fim da conversa. Talvez eu tenha gritado de dor, tamanho era o meu sofrimento. Não sei quanto tempo eu fiquei ali, chorando na frente da casa do meu ex-melhor amigo. Até que eu recebi uma mensagem. Do grupo GEP. Leo é um dos admins e informou a dissolvição do grupo. Disse para cada um seguir sua vida porque aquele círculo social, o GEP, não existe mais a partir desse dia.
Chorei ainda mais, se é que era possível, e cambaleei pela rua. Não me recordo de quanto tempo eu vaguei por aí ou quantas voltas eu dei na casa, mas ao chegar na minha rua, em vez de descer, eu subi. Meio grogue de tanta tristeza, bati na porta de uma casa amarela barulhenta.
A música pausou e Will me atendeu, seu cérebro dando tela azul ao me ver. Acenei, meio sem jeito. Eu estava encharcadíssimo da chuva que continuava caindo. O loiro me puxou para dentro, mas eu já me sentia morto. Eu só queria parar de/com tudo.
Parecia que alguém havia morrido e eu me sentia como se tivesse perdido, e me perdi mesmo. O luto era igual ao do dia que eu enterrei as duas pessoas mais importantes da minha vida. O luto era exatamente igual ao do dia que eu enterrei minha mãe e meu pai. Com certa devastação, percebi que Leo havia se tornado tão importante na minha vida quanto eles tinham sido.
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Dois meses se passaram e nada estava igual a um dia antes da festa de Rachel, absolutamente nada. Leo mudou de escola, o GEP deixou de existir, Jason estavam ficando com Percy, Piper se apaixonara por Annabeth, Hazel jamais perdoou Frank e eu estava tentando viver minha vida, tentando achar novos hobbies.
Will foi muito gentil comigo e enfatizou que sempre estaria ali se eu precisasse de um ombro pra chorar. Mas foi somente três semanas depois que eu contei o por quê de a decisão de Leo de se afastar me abalou tanto.
Estávamos na casa dele, a sós. Eu tomava o meu café enquanto ele tocava alguns acordes no violão. O ar era fresco e o clima entre nós se tornou tão fluído e conectado que parecíamos um casal de anos sem nunca temos namorado. O loiro interrompeu a música.
一 Posso perguntar algo pessoal?
Sorvi outro gole.
一 Claro. Manda.
Ele desligou os dedos e tocou um fá diminuto.
一 Por que você ficou tão mal quando Leo mudou de escola?
Parecia que eu tinha levado um choque. Fiquei sem falar nada por um tempo. Deixei a caneca na mesa.
一 Meus pais se separaram quando eu tinha 4 anos porque meu pai tinha outra filha, Hazel. Eles viviam brigando e isso, depois de me buscar na escola de carro, os levou a morte. Bateram no cruzamento.
一 Nico...
一 Foi por pouco que sobrevivi. Minha guarda e a da Bianca ficou para Marie. Ela tem cuidado de nós e nos trata como filhos.
Will deixou o violão de lado e se sentou no sofá, perto de mim. Ele passou o braço pelos meus ombros e aconcheguei minha cabeça em seu peito. O loiro beijou o topo do meu cabelo e começou a cantarolar uma música linda. Fechei os olhos para me concentrar melhor em sua voz.
一 The world's not perfect, but it's not that bad. If we got each other, and that's all we have.
Ele pegou a minha mão e entrelacei meus dedos com os dele.
一 I will be your loved, and I'll hold your hand. You should know I'll be there for you.
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Os corredores estavam vazios e os alunos se concentravam nas atrações de halloween. Eu tinha acabado de conseguir um prêmio em uma barraca de arremesso e assistia a Will acertar todos os alvos na de precisão. Hazel pescava maçãs com a boca e me deu uma quando se aproximou de mim.
一 Você lavou essa fruta?
一 Lógico que lavei. Todas elas. 一 Haz se sentou. 一 Vou fazer uma torta com elas.
一 Tortas de maçã pescada em festa escolar de halloween. Legal... Ai!
一 Não enche. 一 Ela me acotovelou.
Deixei-a de lado e fui para dentro, para comer a maçã e retocar a maquiagem de esqueleto. Entretanto, quando esfumaçava a sombra ao redor dos olhos, Bryce surgiu, como uma assombração, ao meu lado. Dei, pelo menos, quatro passos atrás em um único salto. De onde ele tinha surgido?, pensei. Será que a fantasia de capeta era de verdade?
一 Oi, tá bonito. 一 Ele me cumprimentou.
一 Bryce, nem hoje e nem nunca eu vou passar a festa com você. Vaza!
一 Por que? Qual é o problema?
一 Você é o meu problema.
Bryce abriu a boca, mas nada saiu. Ele olhava algo atrás de mim.
一 Você ouviu, Lawrence, Vaza...
Will passou o braço por meus ombros, olhando fixamente para o incômodo local. Bryce sorriu, olhando de mim para ele.
一 Você não é dono de Nico, Solace.
O loiro me puxou e, para provar que ele estava errado, me beijou de um jeito que Bryce pudesse ver. Eu não o repeli, seria incapaz disso. Apenas retribui e esqueci que tinha alguém olhando, de queixo no chão. Will foi ousado em me beijar, de língua, na frente do garoto mais fofoqueiro e mal encarado da escola, mas seu objetivo devia ser justamente aquele: Fazer com que soubessem do nosso envolvimento amoroso.
一 Certo. 一 Rosnou Bryce. 一 Cansei dessa merda.
Ele foi embora, Will quebrou o beijo e me arrastou dali. Minha maquiagem devia estar toda borrada, mas eu não me importava. Paramos perto de um bebedouro e tomei um copo de água. Recuperei o fôlego, pensando em quantas pessoas naquela altura sabiam do que rolou no corredor. Lavei o rosto e deixei que o loiro me guiasse pela plantação de milho.
一 Para onde estamos indo? 一 Perguntei, desviando de um fardo de feno.
一 Para um lugar onde poderemos ficar sozinhos. 一 Respondeu, me segurando quando tropecei em uma raiz.
一 Qual?
Ele sorriu.
一 É surpresa. Vê se tenta se acalmar.
Bem, eu tentei. Andamos por mais quinze minutos pelo milharal até chegarmos a um local silencioso e que o milho não nos cutucasse. Ficamos um de frente para o outro, meio hesitante. Como eu respondia tentar adivinhar alguma coisa, fiquei esperando pelo próximo movimento.
Will usava uma fantasia de arqueiro em processo de zumbificação (Referência), um arco entalhado em loureiro preso as costas e uma aljava cheia de flechas surpresa para quem desse bobeira. O resto do traje era um moletom vermelho do clube de arquearia, uma calça jeans e veias arroxeadas pelos braços e pelo pescoço como toque final.
O arqueiro quase zumbi abriu um sorriso nervoso e pegou algo no bolso.
一 Estive pensando muito nisso, mas não sou capaz de dizer em voz alta. Portanto, lhe escrevi um poema.
Will me deu um papel dobrado. Olhei-o com desconfiança e, aos poucos, desdobrei a folha, tentando pensar no que seria o assunto que deixou o loiro ansioso e em como seria o poema. Ao abri-lo me surpreendi com os detalhes arabescas nas bordas e no esforço de deixa a letra caprichada, visto que já é bonito. Li o poema com o coração na garganta. Ele diz:
O que acha?
Demorei demais pra perceber
Meus sentimentos são mais lindos que o pôr-do-sol
Porém, não há nada mais lindo que você
Sou mais um peixe em seu anzol
Gosto de você, amo você, mais do que de um melhor amigo
Você namoraria comigo?
Sem você, eu não vivo
Me daria a honra de namorar contigo?
Ah, então era esse o assunto que o importunava. "Mas e o poema?" Fofíssimo, direto, sentimental. Parece que o romantismo não morreu, afinal. Voltei a dobrar o papel, um sorriso gigante no rosto. Will me fitava, cheio de expectativa.
一 Então?
一 Então o que, Solace?
一 Sua resposta.
一 Para receber uma resposta precisa haver uma pergunta e você não fez uma, Solace.
一 Mas... O poema era...
Talvez eu tenha gargalhado da cara dele e do tom incrédulo.
一 Desculpa. Mas preciso te ouvir dizer isso em voz alta.
Ele suspirou.
一 Nico Di Angelo, você quer namorar comigo?
Guardei o papel do poema.
一 Sim, quero muito.
Will pareceu aliviado.
一 Mas você sabe que minha irmã te matará por isso, né?
Ele sorriu.
一 Já conversei com ela e com Marie. Nenhuma delas tem algo contra.
O loiro me abraçou, passando um braço por minha cintura. Eu estava tão feliz por estar ali. Estava tão feliz por aquilo ter, finalmente, acontecido. Will pegou o meu queixo e delicadamente me beijou. Eu conseguia sentir seu coração acelerado contra minha mão. A sensação de seus lábios pressionando os meus era mágica e excitante.
Definitivamente nada podia dar errado naquele halloween. Nada.
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