Depois daquela promessa mútua, minha amizade com Will evoluiu para um nível incrível. Não haviam segredos entre nós. Ninguém podia estragar nossa relação porque não acreditávamos em nada do que inventassem para nos colocar um contra o outro. E, sendo bem sincero, eu estava adorando essa confiança que tínhamos. Nada nos atingia.
Só que a quinta série não foi lá muito legal. Posso afirmar com toda a certeza do mundo que o professor nos odiava até a alma. Nos separava de propósito; se caíssemos como dupla em algum sorteio, fazia vista grossa; não respondia as nossas dúvidas e só faltava nos denunciar ao diretor por colar se ambos gabaritássemos a prova.
Aquele cara não podia ser um humano de jeito nenhum. Ninguém consegue guardar tanto ódio no coração por duas pessoas que nunca fizeram nada de errado para merecer. Mas fora a conveniência tóxica com esse professor, as pessoas me olhavam feio por causa da minha aparência e por eu gostar de estudar. Implicavam muito comigo.
Com Andrew não podia ser mais diferente. Ele é bonito como um anjo, sempre se deu bem com todo mundo, apesar do olhar mal-encarado do nosso educador. Todos queriam ser amigos de Will e sentar ao lado dele. Mas o lugar sempre estivera ocupado por mim, a maior parte do tempo.
O loiro nunca negou a companhia de alguém, mas se precisasse escolher entre sair com uma pessoa da nossa sala ou passar tempo comigo, não existiam dúvidas. Ele só concordava em fazer outros amigos quando eu insistia que ia ficar bem sem sua presença. De certa forma, achavam que eu o obrigava a ficar ao meu lado.
Gosto de me lembrar do que fazíamos depois da escola. Durante um tempo, houve um circo na cidade e compramos ingressos com a permissão de nossos pais. O espetáculo era às seis e largávamos às cinco e quinze. Fomos rápido em casa, nos arrumamos, comemos e fomos para o circo. Bianca nos acompanhou e dormiu durante o show. Em casa, contamos o que vimos.
Em outra ocasião, fomos na praça para escalar as árvores de lá. Do alto podia se ver tudo e um pouco mais. As vezes, os pais de Will nos levavam lá para brincarmos enquanto malhavam. Outras, meus pais passeavam e caminhavam. Eu e Andrew não tínhamos muito o que fazer além de escalar, brincar nos equipamentos e andar.
Depois das aulas, um dia, fomos escalar e descobrimos que iriam construir casas nas árvores, para as crianças. Não ficamos muito felizes com a notícia. Pela estrutura já montada, as casas não seriam muito altas. Eu e ele lamentamos porque perdemos nossa visão privilegiada da cidade. Era muito bonito mesmo e sentiríamos falta.
Após isso, passamos a frequentar lanchonetes e mercadinhos quando largávamos. Íamos para ver o preço dos produtos e, se o dinheiro desse, comprávamos alguma coisa. A coisa mais louca que compramos foi pizza congelada. Cortamos as pizzas em oito, esquentamos no microondas, embrulhamos em papel filme e vendemos por três dólares cada fatia. Ganhamos 48 dólares.
No fim das contas, esse se tornou o nosso empreendimento do ano. Por que? Poderíamos ter comido as pizzas, usado o dinheiro arrecadado em doces, distribuído as fatias, vendido mais barato ou dado a tia da cantina. Mas escolhemos vender e investir para vender mais. Porque a gente quis. Era legal. Dividíamos o lucro, fazíamos mais e ficávamos populares. Até sermos "pegos".
Nosso professor menos favorito nos "denunciou" ao diretor. O sr. D. não ficou nada contente em dar bronca em dois empreendedores natos, mas o sr. Tântalo chamou nossos pais. Devo dizer que Apolo e Hades ficaram orgulhosos como se tivéssemos recebido um prêmio. Minha mãe e tia Naomi ficaram furiosas por terem sido chamadas por algo tão besta quanto vender comida.
Sr. Tântalo tentou fazer com que déssemos o dinheiro a ele, mas nos recusamos, com apoio do diretor e nossos progenitores. Ficamos de recuperação em todas as matérias, mas conseguimos passar e não vimos o professor no ano seguinte. O engraçado? Continuamos vendendo.
Um dia, sr. D. chamou-nos para sua sala. Não sabíamos o que tínhamos feito para pedirem nossa presença lá, mas fomos e esperamos pela nossa sentença de morte. Surpreendentemente, o diretor nos deu três dólares, sem desviar os olhos de seus papéis. Eu e Will nos entreolhamos, tentando imaginar se ele queria que comprássemos café na cantina ou biscoito.
一 Duas fatias amanhã. 一 Disse ele, nos tirando dúvidas. 一 Metade do pagamento adiantado.
Foi quando o meu melhor amigo teve uma ideia de gênio. Devolveu o dinheiro e sorriu.
一 Lhe daremos quantas fatias pudermos, mas desconte o valor do pagamento na nossa mensalidade. 一 Ele disse, triunfante.
Sr. D. arqueou uma das sobrancelhas, surpreso. Coçou o queixo como se considerasse a ideia. Eu estava orgulhoso da inteligência de Andrew e meu sorriso demonstrou isso. Nosso diretor concordou com a proposta, pedindo oito fatias por semana. Eram noventa e seis dólares por mês. Quarenta e oito dólares descontados da minha mensalidade escolar e da dele. É muita coisa.
Como recompensa, ganhávamos 24 dólares todo mês e investíamos na compra de pizzas congeladas. O lucro juntávamos para comprar coisas de nosso interesse pessoal. No meu caso: mangás, livros e bonecos de bisqui de personagens de anime. Já William: videogame e gibis. Os únicos livros que ele comprava eram de poesia e música.
Nosso empreendimento durou só no quinto ano, infelizmente. O sexto foi mais conturbado pelo novo horário e múltiplos professores, um para cada matéria. Era atordoante no começo, mas logo nos adaptamos. Sinceramente, foi o ano em que as coisas mudaram muito rápido. Tudo aconteceu muito depressa, como se o mundo tivesse distribuído mal o que deveria ocorrer em cada ano e despejara tudo na sexta série.
Ainda me lembro de uma conversa que tive com Will nas férias de Natal. Estávamos lendo antes da ceia, esperando nossas mães nos chamarem. Eu não tinha muitos parentes, mas os do Solace compensava pela falta dos meus. As duas famílias se uniam no Natal desde que nos mudamos, quase uma tradição. Ainda estávamos na quinta série, mas as pessoas nos olhavam de forma diferente.
Folheei meu livro favorito, procurando meu capítulo predileto apenas passando o olho entre as páginas. O loiro lia One Punch Man, sentado em seu pufe. Nós dois adoramos tanto o anime quanto o mangá e não nos cansamos de ler sempre que nos vem a mente fazê-lo. Observei-o por um tempo antes de perguntar:
一 Onde você está?
Ele sorriu.
一 Porteira de maquete. 一 Respondeu, virando a página. 一 Quer ler comigo?
Assenti e me levantei, calmamente me dirigindo até ele. Peguei outro pufe, pus ao seu lado e me sentei. Lemos juntos por um bom tempo, até Bia entrar no quarto para avisar que era hora da ceia. Estava tão bom. Por que as horas passam tão depressa? Não dá nem pra aproveitar.
一 Vamos, Will. 一 Chamei, me levantando.
Dei alguns passos em direção a porta, mas fui interrompido por ele.
一 Nico, espera. 一 Pediu, segurando meu pulso. 一 Eu queria falar com você.
Parei para ouvir o que ele tinha a dizer.
一 Em setembro, a gente vai pro sexto, só que só tem fundamental II de manhã.
一 Fiquei sabendo. 一 Sorri.
一 Eu... é... 一 Ele pigarreou. 一 Tenho medo de nos colocarem em turmas separadas.
Ri. Ri mesmo. Eu já tinha pensando na mesma possibilidade, admito, mas já estava convencido de que não iria acontecer.
一 O sr. D. não seria tão cruel. 一 Respondi e ele ponderou sobre. 一 Mas algo que queria falar?
Andrew corou.
一 Eu...
Nesse momento, minha irmã apareceu na porta de novo. Parecia irritada.
一 Só falta vocês dois. Andem logo!
Sorri e o peguei pela mão.
一 Venha. Hora da ceia.
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