Passado o incidente com o pé e a implicância com o suposto namoro que eu tinha, o resto do ano correu normalmente. Ou quase... O povo da sala inventou de querer se pegar e alguém deu ideia de um jogo pra isso. Bem coisa de filme. Eu não ia me meter, já que queria perder meu BV com uma pessoa especial.
Era sábado letivo, repondo o dia que foi feriado, e a maioria dos professores faltou. Estavam todos entendiados, então pegaram uma garrafa pela metade e começaram a jogar. Eu estava lendo o meu mangá, mas fiquei com sede. Fui encher meu copo e chupar um halz no banheiro. De boa, na minha. Quando eu voltei... Mano...
一 Ei, Di Angelo. 一 Chamou-me uma garota. 一 Vem jogar com a gente.
Encolhi os ombros.
一 Que tipo de jogo?
一 O Jogo do Beijo, oras. 一 Sorriu ao responder. 一 Você nunca jogou? Com essa carinha de anjo, já deve ter conquistado o coração de alguém.
Só se for a minha mão e o espelho, pensei.
Will estava no meio, constrangido. Ele me chamou com a mão, pedindo sem falar nada que eu entrasse na brincadeira. Respirei fundo, assentindo logo depois. Eles abriram espaço pra mim e me sentei na roda. Meu coração estava na garganta. Eu ia perder o BV.
A menina que me chamou pediu minha atenção. Olhei pra ela, pouco interessado.
一 É a minha vez de girar a garrafa. 一 Ela explicou. 一 Vou beijar quem o gargalo apontar. Depois é a vez da pessoa à minha esquerda. Entende?
Concordei e ela rodou a garrafa. Caiu em um garoto de óculos de grau. A garota revirou os olhos, mas se inclinou e o beijou. O ósculo durou dez desconfortáveis segundos. Ela deve ter gostado mais do que jamais iria admitir. Depois dela, era um garoto bonito. Apenas observei por duas ou três rodadas até ser a vez de Will.
Seus olhos prenderam os meus de tal forma que não consegui quebrar o contado visual. Meu rosto esquentou e meu peito virou um liquidificador potente triturando gelo. Seu olhar estava mais intenso que o de costume, como se ele quisesse me agarrar e me tirar dali ao mesmo tempo.
Ele girou a garrafa, relutante. Por um momento, parei de respirar. Acompanhei o movimento do recipiente, enquanto pensava no quanto ia doer vê-lo beijar outra pessoa. Suspirei e apoiei o queixo na mão, entendiado. O dia lá fora estava tão bonito pra assistir a um episódio de Naruto.
Alguém do meu lado estalou os dedos no pé do meu ouvido. Encarei-o, confuso, e ele apontou pra garrafa no centro da roda. O gargalo estava virado na minha direção, estava virado pra mim. Corei ao me dar conta de que meu primeiro beijo seria com Will, meu melhor amigo.
Nem ferrando, pensei. Isso é sério? Quem foi o salafraio que moveu a garrafa?
O loiro suspirou e se levantou. Ele ofereceu a mão pra que eu fizesse o mesmo. Solace colou seu corpo ao meu, passando um braço por minha cintura. Eu esqueci totalmente que tinha a sala quase toda olhando. Coloquei as mãos em seu pescoço, tímido. William me olhava como se eu fosse seu livro favorito: Com carinho.
一 Tá no mundo da lua? 一 Sussurrei, chamando sua atenção. 一 Me beija logo, idiota...
Ele sorriu.
一 Vamos acabar logo com isso. 一 Disse, passando a mão pela minha nuca.
Andrew me puxou para perto, cobrindo minha boca com a sua. Eu não sabia o que fazer, então fiquei parado, tentando entender como eu deveria corresponder. Copiei os movimentos de seus lábios. Ele aprofundou o beijo e eu o imitei, sentindo tudo a minha volta perder o significado.
O beijo dele... Quero dizer, os beijos dele tinham sabor de bala de menta e geladinho (flau, dindin, sacolé, chupe-chupe, picolé-de-saco, etc) de abacaxi. Eu podia beijá-lo pela eternidade. Senti a mão que estava na minha nuca ir para o meu pescoço. Antes que eu percebesse, meus braços estavam em seus ombros. Parecia tão disposto a encerrar o beijo quanto eu tinha vontade de fazê-lo.
Recuperando a consciência que haviam pessoas observando, rompi o ósculo e o empurrei levemente. Achei que meu coração explodiria por bater tão depressa e com tanta força. Estávamos muito ofegantes para dizer alguma coisa, então apenas voltamos ao nossos lugares.
As pessoas cochichavam que somos apenas melhores amigos. Nos conhecemos desde os três anos de idade, pensei. Nove longos anos de uma amizade maravilhosa. Não estrague tudo. Não destrua isso. Não se apaixone.
O jogo continuou por mais duas rodadas até a professora de ciências chegar. Eu não girei a garrafa e ninguém me tirou. Mais tarde, postaram no grupo uma foto que vazou pra escola toda: Eu e Will, de olhos fechados e nos beijando. Em defesa deles, a sincronia era a de um casal que estava junto fazia um bom tempo.
✲ ✲ ✲
Solace nada falou sobre o assunto depois que ocorreu e eu estava com muita vergonha pra falar a respeito. Por sorte, nossos pais não ficaram sabendo, mas minha irmã sim. Pedi a ela que mantivesse segredo. Eu não queria que Hades brigasse comigo e nem que minha mãe planejasse um casamento para um casal que não existe.
Leo pirou quando soube e me perguntou como foi. Disse a ele o que senti, mas omiti algumas percepções e a maneira como fiquei desconsertado depois que acabou. Reyna me alertou para ter cuidado com meus sentimentos porque eles poderiam evoluir. Eu não tinha como fugir de Andrew por muito tempo. Nossa vida está tão entrelaçada que fica difícil esconder algo. Ele sempre descobre.
Jason só faltou me carregar e anunciar por aí que eu não era mais BV. Depois que eu quase vomitei quando ele me rodopiou, se acalmou e manerou na comemoração. Em contraste com Leo, me fez apenas uma pergunta, a qual respondi com sinceridade e todo o coração.
一 Você gostou?
一 Até demais... 一 Mordi meu chocolate.
O Grace mexeu em sua cicatriz do lábio, pensativo. Por fim, suspirou e disse:
一 Tô gostando de alguém.
Parei de comer.
一 De quem?
一 Um garoto que estuda na minha escola antiga. 一 Explicou. 一 Da minha idade.
Não o pressionei.
一 Apaixonado? 一 Perguntei.
一 Talvez... Ainda não sei. 一 Jason parecia infeliz. 一 Ele namorava quando o conheci.
一 Hm... Namorava?
一 Não sei se ainda namora.
Mudei de assunto. Queria que ele fosse feliz.
✲ ✲ ✲
Eu estava terminando de escrever o texto do trabalho de ciências quando Will entrou. Ele olhou as folhas e elogiou minha caligrafia. Agradeci, lhe dando a parte que ele ia decorar pra apresentar. Leo já estava treinando a parte dele, que mandei por mensagem.
O loiro me pediu ajuda pra ensaiar e eu não tinha como negar. Li com ele, revisamos e tal. O porém era que ele fazia palhaçada para que eu risse. O repreendi, tomando o papel de suas mãos. William, tentando pegar, acabou me derrubando e caiu em cima de mim. Clichê? Quem sabe...
Ele ficou me encarando por um tempinho, seu corpo prensando o meu no chão.
一 Posso fazer uma coisa?
Solace estava tão perto, seus lábios a milímetros dos meus, mas me controlei.
一 Pode...
Ele entrelaçou suas mãos com as minhas, ao lado da minha cabeça, e me beijou. Fechei os olhos, retribuindo. O beijo foi menos intenso que o da escola, como se ele estivesse se segurando. Mesmo assim, foi muito bom. Will beija muito bem, na real. Paramos pra respirar e ele me deu um último selinho.
一 Você gostou do beijo da escola. 一 Afirmei.
William sorriu.
一 Claro que gostei. 一 Ele alisou o meu rosto. 一 E este pode ser o nosso segredinho.
Concordei.
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