P.O.V. Will
O que eu estava fazendo? Assim que vi Nico, tomei a decisão de ser o mais claro possível, mas não ia falar tanto do ocorrido, com detalhes, porque tinham pessoas em volta e elas iam ouvir. Acontece que a saudade tomou conta de mim. Quando ele me avistou e teve uma boa reação, interpretei isso como um sinal verde e o abracei. Tudo em mim formigou com o contato no exato momento que ele retribuiu.
Nico estava perfeito. O cabelo lhe dava um ar adorável; as roupas lhe caiam super bem; o all-star; as luvas; os brincos; o colar, tudo nele estava perfeitamente alinhado pra me enlouquecer. Aí, quando eu falei, saiu tudo naturalmente e eu não conseguia conter o quão preocupado eu estava com aquela situação. Mas eu não ia forçar nada a ele.
Di Angelo negou com a cabeça várias vezes, passou o braço por meus ombros e colou seus lábios aos meus. Foi um beijo carinhoso, porém urgente. Correspondi com as mãos em seu rosto, um arrepio me subindo pela coluna quando Neecks quis aprofundar o beijo. Eu tinha me esquecido da sensação. O frio na barriga, a sensação de que se está voando, o coração batendo com força dentro do peito.
Quando acabou, percebi que o moreno se segurava pra não chorar, mas já desistindo. Mas não era um choro de tristeza. Era um choro de alívio.
一 Will, eu já disse: Eu amo você. Não vou abrir mão de você tão fácil. Eu podia ter me esforçado mais pra te fazer ficar. Pode até ter sido bom pra você, mas eu cheguei na conclusão de que, pode parecer idiota e romantismo barato, eu descobri que vivi aceitando relacionamentos de merda.
一 Danilo era um pau no cu, Carrie era uma puta, Edward te tratava mal pra caralho. 一 Listou Leo.
Nico riu.
一 Obrigado, Leonidas.
一 É sempre um prazer.
一 A questão é que eu me submetia a relações nas quais a outra pessoa não ligava pros meus sentimentos. Eu me envolvi com as pessoas erradas pra mim. Aí eu te conheci e vi que, diferente do que eu achava, o problema não era eu. As coisas não tinham dado certo antes e a culpa não era minha.
一 Como a culpa poderia ser sua?
一 Eu percebi isso com você. Will, você, e apenas você, me tratou como se eu importasse. Os outros ligavam pra aparência e popularidade, mas pra você essas coisas são só um bônus. Você se preocupa comigo.
一 E vou continuar me preocupando. Eu amo você, Neecks, e isso jamais vai mudar. Caso queira de verdade, eu sou todo seu.
一 Perder a oportunidade de pertencer completamente à Will Solace? Jamais. Eu quero. De verdade.
Sorri, pondo as mãos em sua cintura ao passo que seus dedos se enroscavam nos fios da minha nuca.
一 Nico Di Angelo, quer namorar comigo?
Ele sorriu, brevemente perdido olhando pra minha boca. Seus olhos são uma das minhas coisas favoritas.
一 E precisa perguntar? Claro que sim.
E eu sabia que tinha tomado uma excelente decisão quando nossos lábios se encontraram e os alunos que observavam aplaudiram. O beijo não durou muito por que não queríamos dar um show no corredor. Nico grunhiu quando nos separamos, parecendo descontente por ser popular e não um nerd invisível. Felizmente, o sinal tocou e corremos para a biblioteca.
A bibliotecária Ella não nos mandou para nossas salas, não brigou conosco ou ficou nos vigiando. Deu só uma única espiada pela borda do livro que lia para ver quem era e voltou a ler. Sentamos em uma mesa, conversando em sussurro. Contei ao Di Angelo o que eu tinha refletido, o que tinha feito pra resolver as coisas com meus amigos e tals.
一 É muito legal que você tenha conseguido pôr tudo em ordem, mas e sobre sua mãe?
一 Que bom que perguntou. 一 Sorri. 一 Eu tinha pensado em me emancipar ou pedir ao Jacinto, companheiro do meu pai na época que ele morreu, que pegasse minha guarda pra ele. Só que isso ia ser muito burocrático, teria o envolvimento de advogados e tudo o mais. Seria um saco.
一 Então você preferiu algo mais simples?
一 Antes da minha mãe, meu pai teve outra namorada e a engravidou também. Só que o pai da garota não quis que um menininho assumisse a filha dele e o afastou.
一 Não tô entendendo onde você quer chegar.
一 Eu achei meu meio-irmão, contei minha situação e propus racharmos um apê ou algo assim. Ele se compadeceu da minha condição deplorável e concordou. Arranjei um trabalho...
一 O que aconteceu com o outro?
一 Eu saí. Não iria pagar as despesas, pelo menos não todas. Foi uma questão de necessidade.
一 Você já se mudou pra lá?
一 Não completamente. Ainda faltam algumas coisas.
Nico sorriu, levemente sedutor.
一 Eu posso te ajudar. 一 Se aproximou.
一 E eu adoraria a sua ajuda.
Aí a gente se beijou, com calma e se permitindo sentir o momento. Tudo estava resolvido e o que ainda não tinha sido ajustado, em breve iria ser. A satisfação que eu senti depois que Nico aceitou o pedido de namoro foi espetacular. A paz de espírito que senti por eu ter conseguido dar uma encaminhada merecida em assuntos mal-resolvidos.
Pela primeira vez em vários anos, eu sabia o que queria fazer e estava em paz com isso. Não era sempre que eu tinha uma folga dos sentimentos conflitantes e pensamentos deprimentes. Eu me deixei ser guiado pelas emoções erradas em uma brecha de dor. Fui controlado pelo pior de mim e raramente me via livre disso. Agora mudou.
Tendo noção do problema que eu vivo, posso combater isso da maneira certa e vencer. Graças ao apoio constante de meus amigos e Neecks, eu percebi que eles estavam certos. A sorte que eu tenho pra amizades é indescritível. Eles me ajudaram. Suas palavras e ações estão me ajudando a construir uma autoestima firme. Estou melhorando.
一 Sabe, Solace... 一 Sussurrou Nico contra minha boca, sorrindo. 一 Foi muito corajoso se abrir daquele jeito no corredor.
Parei pra pensar nisso.
一 Me tocar daquela forma, dizer aquelas coisas. 一 Continuou, roçando nossos lábios. 一 Sem nem se importar com as pessoas ao redor.
一 Puta merda...
Ele riu fraco, acariciando minha nuca.
一 Foi fofo, corajoso e extremamente sexy.
一 Eu estava confiante. Mais focado em ter seu perdão do que em como seriam os arredores enquanto eu me justificasse pra você.
一 Você foi perdoado. E, por todos os deuses, seja confiante mais vezes. Combina contigo.
Sorri, constrangido.
一 Vou tentar. Prometo.
Di Angelo sorriu mais largo.
一 Acredito em você.
E eu também acreditei em mim mesmo, pela primeira vez na vida. Tive a certeza de que algo dentro de mim havia mudado, mas a essência continua.
☀ ✲ ☀ ✲ ☀
Aquela era uma daquelas noites agradáveis que eu madrugava com Nico, conversando sobre um milhão e meio de coisas. São essas horas que nós só nos olhamos por um tempo e falamos sobre vários tópicos sem correlação. O assunto nunca acaba. Essa noite é a minha primeira folga em semanas. Eu vinha estudando muito pra passar em Medicina.
O último ano do ensino médio foi corrido. Vestibular, provas, concurso público e a grandiosa formatura. Fora essas coisas, eu tinha que trabalhar, sair ocasionalmente com meus amigos e namorar. Quando eu disse corrido, eu não tava brincando. Agora as avaliações finais da escola já tinham sido aplicadas, eu já tinha feito a prova e desistido do concurso público. Agora era só esperar os resultados.
一 É verdade que a Lou e o Cecil vão casar? 一 Questinou Nico, surpreso com a ideia.
一 Verdade absoluta, mas só depois da faculdade.
O moreno amassou o saco vazio de Doritos e jogou fora, voltado a deitar do meu lado.
一 Como foi que aconteceu? Eles te contaram, não é? 一 Quis saber, se virando pra mim.
Seus olhos brilhavam de curiosidade.
一 Lou estava cansada de esperar que o Cecil tomasse uma atitude e armou tudo sozinha. Fez o pedido há uma semana e ele aceitou. 一 Contei, achando a situação cômica.
Neecks riu baixinho.
一 Mas eles não namoraram por uns dois meses?
一 Sim, eles namoraram.
一 Então decidiram casar?
一 Eles são Lou Ellen e Cecil, meu amor. Não seguem padrões e agem espontaneamente. Se deu na telha deles casarem, eles só aceitam a oportunidade.
Ele riu outra vez e assentiu.
一 Você tem razão. Me esqueci desse detalhe.
Parei para admirar como seu sorriso é bonito. Seus olhos se estreitam quando ele sorri largo. O brilho em suas órbitas escuras muda de intensidade, conforme suas emoções. Ele sempre sussurra quando se sente em paz ou quando sente uma pontinha de excitação. Dtesta tomar banho de sol porque sua pele fica vermelha igual a de uma lagosta. Gosta de virar as noites pensando, as vezes em nada especial.
O último ano do ensino médio foi corrido, mas não houve um segundo que estive longe dele que não desejei sua presença. Nos momentos em que eu não estava com a cara nos livros, Neecks me fez companhia e me distraía de minhas outras preocupações. Se não fosse por ele, eu teria infartado de estresse. Não sei o que faria sem a minha lua por perto.
一 Como você descobriu que era pansexual? 一 Perguntou, curioso.
Mordi o lábio, ponderando. Não havia o que esconder.
一 Tinha uma pessoa na minha sala que era não-binário e eu gostei dela.
一 Quem?
一 Krys Yang. 一 Tentei me lembrar da pronúncia correta. 一 Respondia a todos os pronomes, era inteligente e adorável.
Nico não pareceu enciumado.
一 Que legal! Quando foi isso?
一 Sétimo ano.
Ele parou e pensou um pouco.
一 Foi nesse ano que entrei na escola. 一 Refletiu.
Sorri, beijando-lhe a bochecha.
一 Se você tivesse ido direto pra minha sala naquele ano, eu seria nicosexual logo de cara.
Di Angelo riu.
一 Bobo...
Puxei-o para perto pela cintura. Senti a mão dele repousar em minha nuca.
一 Seu bobo. 一 Corrigi-o.
一 Meu... 一 Ele se interrompeu para me dar um selinho. 一 ...lindo... 一 E mais um. 一 ...porém bobo... 一 Um último. 一 ...namorado.
Arquejei, o que o fez ter um sobressalto.
一 Você usou "porém"! Estou chocado.
Neecks riu, um pouco ofendido.
一 Você tem consertado meu vocabulário.
Fingi surpresa.
一 Você disse "vocabulário"? Nossa!
Nico me deu um tapa. Ele ficou ofendido de verdade.
一 Ai!
一 Para, Solace, ou bato em você. 一 Ameaçou.
一 De novo? 一 Fiz bico.
一 De novo. 一 Confirmou, pouco abalado pelo meu drama.
Se aquilo era um jogo, dois podiam jogar. Fiquei por cima dele, pressionando seu corpo no colchão e o olhando fundo nos olhos.
一 Se me bater, eu te mordo. 一 Sorri, sedutor, e sussurrei com a voz rouca que eu seu que desestabiliza Nico. Ele adora isso.
一 Onde me morderia? 一 Sussurrou de volta, um pouco malicioso.
Aproximei meu rosto do seu e desci para o pescoço dele, roçando meus lábios na pele sensível. Deu pra sentir a temperatura subir.
一 Você não quer saber...
Raspei os dentes de leve em seu ombro, o fazendo ter um arrepio.
一 Talvez eu queira... 一 Disse num fio de voz.
E, novamente, as provocações tinham chegado a um ponto em que nenhum de nós queria parar e recuar. Seria uma noite longa, mas não de conversar. Se houvesse um modo de tornar esse momento menos atrativo, ainda sim eu rejeitaria. Nico é meu. E ele adora me lembrar disso. E eu amo ser dele.
☀ ✲ 🌔
P.O.V. Nico
Tudo passou inexplicavelmente rápido. Em um piscar de olhos, o tempo se consumiu. Me lembro de uma redação exigida pelo professor de literatura no quinto ano: "Como você se vê daqui cinco anos?". O meu primeiro ano do ensino médio não foi o que eu pensava. Eu estava sempre pensando se veria Will de novo nos primeiros meses, até desistir da ideia de um "reencontro" emocionante. Mas nos "reencontramos" e nos apaixonamos no ano seguinte, então considero isso uma vitória.
No último ano, eu achei minha redação da quinta série e pensei em fazer uma como aquela, só pela diversão de imaginar o futuro. Escrevi sobre a faculdade que meu namorado faria, sobre Haz namorar, Bianca adotar uma criança, Leo abrir uma oficina e sobre... estar com Will na formatura dele. As coisas aconteceram de modos peculiares.
Bianca fez inseminação artificial. Hazel se assumiu assexual. Leo realmente abriu uma oficina, rejeitou Connor e casou com Frank. Lou Ellen e Cecil se casaram em abril, ainda no segundo ano da faculdade. Rachel se tornou uma artista conhecida na internet. Will passou em Medicina, me apoiou quando decidi não fazer faculdade nenhuma e propôs, muito timidamente, que morássemos juntos.
Faz três anos que estamos morando em um apartamento. Eu trabalho em tempo integral e Solace estuda em tempo integral, portanto o único período em que estamos a sós e sossegados é a noite. Ele toma banho, ajeita os cachos com minha ajuda e deita ao meu lado na cama que compartilhamos, falando do seu dia e me perguntando sobre o meu. Eu gosto disso.
一 Seu supervisor gritou com você por causa do café de novo? 一 Riu ao questionar.
Enrolei mais alguns fios dourados com o pente. Finalizar seu cabelo é a minha terapia favorita.
一 Não. Dessa vez, não. Culpei o Per por isso e aquele lerdo nem retaliou. Nem deve ter notado.
A empresa que eu trabalho é a empresa do meu tio, Zeus Grace. Ele e meu pai, Hades, entraram em um acordo para que eu trabalhasse lá. Preciso dizer que o acordo foi contra minha vontade?
一 Você precisa diminuir o café.
Me segurei pra não puxar seu cabelo.
一 Me obrigue!
O loiro riu. Terminei a finalização e guardei as coisas. Dei-lhe um selinho, me aconchegando em seu peito. Conversamos um pouco por alguns minutos antes de adormecermos. Como sempre, tive sonhos tranquilos com pouco significado. Quem diria que, após tantos dificuldades e obstáculos, nós chegaríamos onde estamos? Enfrentamos pessoas nos atrapalhando, enfrentamos nossos próprios conflitos internos e sentimentos. E conseguimos. Eu e meu sol.
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