Jason foi o primeiro a saber da minha advertência e ficou um pouco surpreso. Tive que contar a ele o que rolou nas últimas duas semanas para que o Grace entendesse como chegou àquele ponto. Meu primo, o meu favorito, me disse que toda aquela situação parecia complicado, mas era bem mais fácil de resolver do que eu imaginava.
Depois dei a advertência pra minha mãe. Ela não gostou, mas não gritou comigo e pediu calmamente que eu explicasse. Foi a meia hora mais longa da minha vida. Queria poder plugar um cabo no meu cérebro, conectar na TV e fazer todo mundo assistir minhas lembranças. Seria mais fácil, só que é lógico que tudo tinha que ser feito da forma mais difícil e desgastante possível.
Eu nem queria ir pra aula no dia seguinte, mas ouvi tanto sermão da minha irmã mais velha que fui forçado. Eu queria morrer de madrugada pra não ter que ir. Com certeza as pessoas ficariam comentando e apontando. Me chamariam de instável e Octavian ia me infernizar. O melhor? Eu não ia poder fazer nada, Nadica de nada. A vontade era de me jogar de um precipício.
Na manhã de quarta-feira, Haz me acordou recitando Shakespeare em alto e bom som. Levou uns dez minutos pra brigar com ela e expulsá-la do meu quarto. Tomei banho, escolhi a roupa e fiquei em ligação com Leo enquanto me trocava. Escolhi uma camisa do Slash, calça jeans preta, minhas luvas (o que me lembrou de Will, mas abafa o caso), meu colar de prata e meu all-star preto (o que também me lembrou de Will).
一 Já terminou? 一 Leo perguntou com impaciência do outro lado da linha.
一 Ainda não. 一 Amarrei o cadarço e me olhei no espelho. 一 Eu prendo o cabelo ou vou com ele solto? 一 Falei, mexendo nos fios.
一 Se você for com ele preso, coloca aqueles brincos prata de cruz.
一 Boa ideia, Valdez.
Prendi o cabelo do mesmo jeito que fiz quando fui à um encontro com Willie no McDonald's. Ajeitei a franja e pus os brincos ditos pelo meu melhor amigo. Dei uma olhada geral depois de pronto. Caralho, eu estava bem bonito. Nem parecia que por dentro eu queria desaparecer. Mandei uma foto pro Leo e ele aprovou na hora.
一 Arrasando. De verdade.
一 Obrigado. Pela foto que tu me enviou, você também tá um gato. Tá querendo encantar o Frank?
Ele riu.
一 Quase isso. Eu também quero me sentir bem comigo mesmo, Nico. Não é apenas por um crush.
一 Ok, ok. Eu entendo. 一 Sorri, conferindo a hora enquanto pegava a mochila. 一 Preciso desligar, tá? Vou comer alguma coisa e já tô saindo.
一 Beleza. Te vejo na porta da escola. Até mais.
一 Até.
Reyna tomava café na cozinha quando eu cheguei e me cumprimentou assim que me viu. Peguei um bolinho na geladeira, conversando um pouco com minha cunhada. As coisas na minha família sempre foram mais de boa. Minha mãe se apaixonou pela ex do meu pai, casou com ela e eu convivo com as duas apaixonadas. Não julgo. Ninguém manda no coração e controla quem ama ou não.
Não convivo com meu pai, não falo muito com ele, não o vejo e não faço questão na verdade. Bianca casou com a namorada de escola e é totalmente doida por ela. Haz é nova demais pra namorar. As gêmeas, Melinoe e Macária, são bem tranquilas e mal fazem bagunça. Eu sou o filho do meio, o segundo mais velho e o mais emocionado, eu acho.
Lembro-me de não ter reagido bem à separação dos meus pais e tenho memórias muito vagas de quando tinha seis pra sete anos. Eu era uma criança sociável e feliz. Fazia amigos fácil por mais que achassem esquisito. Aos poucos, fui perdendo o brilho. Com o tempo, fui me fechando e Leo foi o único que me restou.
A pré-adolescência, dos onze aos treze anos, foi um pouco complicada. Me descobri bissexual, tive minha primeira namorada, corpo se desenvolvendo, hormônios, drama e tudo mais. Minha mãe saiu de uma fase difícil, eu tinha uma madrasta e irmãs mais novas. Eu tinha doze anos e Bianca dezoito, já planejando casar. Tudo ocorreu de forma repentina. Ocorreu de tal modo que me senti perdido.
Hoje, depois de alguns anos, eu tenho mais experiência. Já sou um adolescente, faltando pouco pra chegar na idade adulta. Mas eu ainda sou um adolescente. Ainda amo Will e espero ele ligar, mesmo que algo dentro de mim me alerte que não é do feitio dele. O loiro só usa o celular por segurança. Prefere livros e o mundo real, nu e cru. E eu adoro isso nele.
Pra resumir, ReyRey deu carona a mim e a minha mãe até a escola. Ela entrou e eu encontrei o Valdez na porta. Conversamos enquanto eu tentava ignorar ao máximo todos os cochichos bem audíveis quando passávamos. É tão difícil assim sussurrar? Frank ainda não tinha chegado, o que eu achei estranho e, por isso, o time de vôlei veio perguntar por ele. Como eu e meu amigo não sabíamos de nada, não havia muito a ser dito.
O sinal já ia tocar quando o Zhang chegou. E, um pouco mais a frente dele, ninguém mais e ninguém menos que Will Solace. Ele estava lindo. De camisa branca, jaqueta de tecido verde xadrez, calça jeans azul-clara e all-star amarelo. Sem falar dos cachos dourados perfeitos e o olhar determinado. Foi como vê-lo no corredor pela primeira vez, quando ele mudou de turno.
Ele veio até mim e me abraçou pela cintura, sem dizer uma palavra. Retribui, surpreso pela rapidez com a qual aquilo estava acontecendo. Eu conseguia sentir sua respiração pesada e quente no meu pescoço. Meu peito se apertou a medida que meu corpo se aconchegava no dele. O tanto que eu senti saudade de cada mínimo detalhe. Me permiti aproveitar e absorver cada toque.
O loiro se afastou devagar, relutante ao colocar uma leve e quebradiça distância ente nós. Os olhos estonteantemente azuis percorreram cada centímetro do meu rosto, observando com atenção e carinho cada traço, como se sentisse falta de tudo. Seus dedos alisaram minha franja, meus brincos, minha bochecha, meu pescoço. Tudo lentamente, como se ele se deleitasse com o contato. Porra...
一 Caralho... 一 Ele sussurrou. 一 Eu fui tão idiota, tão estúpido, tão... cruel com você.
一 Willie...
一 Me perdoa? Eu fui um merda. Falei tanta idiotice, fiz tanta cagada e... Eu não mereço você.
一 Não repete isso. Não diga isso de novo.
Will pegou uma das minhas mãos e sorriu. O brilho havia retornado aos seus olhos, dessa vez com mais intensidade do que eu já tinha visto. Eu tinha que admitir: Eu senti saudade até do cheiro dele. Eu tinha até tentado esquecer, "seguir em frente" (isso tudo em algum momento perturbado do meu luto) e superar, mas é claro que eu não conseguiria. Eu nunca me relacionei com alguém tão incrível quanto o Solace, então não ia simplesmente deixar ele ir embora daquele jeito, sem lutar por ele.
一 Eu... devia ter tentado mais. Deva ter te feito ficar.
Ele negou, o olhar colado no meu.
一 Não era sua obrigação. E, de certa forma, eu precisei sentir a sensação de perder pra cair a ficha do quanto eu estava cego.
Vi-o morder o lábio e tive vontade de beijá-lo.
一 Eu ignorei o que você e meus amigos vivem enfatizando pra ouvir uma única pessoa que disse uma única vez o que minha insegurança sempre fica falando e repetindo na minha cabeça.
Apertei seus dedos entre os meus.
一 A culpa não é sua.
一 Pode até não ser, mas eu sou culpado por ter te deixado tão mal. Eu fiz merda, te machuquei e ainda fui embora. Eu entendo se não me perdoar.
Senti os olhos se enchendo de água diante da possibilidade de perdê-lo outra vez. Porra, é tão complicado. E ali estava Will, dando a cara a tapa. Passei uns dias chorando feito condenado? Sim. Esperei ele ligar? Esperei. Fiquei com saudade pra caralho? Fiquei. Matei essa saudade? Não. E a principal questão, ainda gosto dele? Eu o amo. Então... Não resta dúvidas.
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