Eu fui muito cruel com Nico. Mas não foi fácil pra mim sair de lá. As lágrimas escorrendo pelo seu rosto carregado de dor; a clara frustração causada pelas minhas palavras; a raiva por Octavian e cada sílaba que Neecks pronunciava me fazendo questionar o que eu estava planejando. Eu não queria ir embora, não queria terminar e não queria fazê-lo chorar, mas não teve como.
Com certeza eu mudaria a forma como agi se tivesse a chance de voltar no tempo, mas o que está feito já foi feito e não é possível alterar ações passadas. O que me resta é tentar consertar isso o melhor que der e encarar as consequências do que fiz. Meu objetivo principal é simples e bem claro: Conseguir me emancipar, me tornar independente. Se não funcionar, que, pelo menos, minha guarda passe para outra pessoa, essa sendo de confiança.
A minha ficha demorou a cair, mas, quando ocorreu, eu não pude mais me esconder da verdade por mais triste que ela fosse. Que minha mãe faz um mal absurdo pra minha saúde psicológica e emocional não é novidade. A questão é que eu atingi o meu limite. Eu gritei com Naomi, soquei Octavian, discuti com Nico e fiquei de mal com meus amigos. Por que?
A insegurança e a ansiedade me consumiram. O medo de perder se tornou irracional. A dor de ser constantemente desvalorizado e não amado pelas pessoas que deveriam ser as mais importantes da minha vida, mãe e pai, tomaram conta de minhas ações. Durante muito tempo, todos esses sentimentos combinados me tiraram o foco de coisas boas.
Cecil confia em mim mais do que tudo. Eu sou o melhor amigo dele e ele é o meu. Rachel me admira tanto quanto eu admiro ela. Lou Ellen se sente confortável comigo, ela fica mais a vontade na minha presença do que na de outras pessoas. Nico me ama, quer estar comigo mesmo que tenham outras pessoas querendo ele. E eu me impedia de enxergar isso.
Eu sou uma pessoa boa e divertida. Eu sou inteligente e esperto. Eu sou bonito e atraente. Eu sou interessante e bom de papo. Eu sou carismático. Eu sou tudo aquilo que minha insegurança me negava ser. E eu precisei atingir o ápice de estresse pra que meu bloqueio emocional se dissolvesse em clareza.
Eu não preciso de Octavian, de Naomi, de seu ninguém, pra me afirmar. Somente eu e apenas eu detenho o direito de dizer quem eu sou. Não é porque fulano ou ciclano disse pra beltrano que eu sou assim ou assado que eu sou. Pessoas se enganam sobre a imagem alheia e cabe a mim dizer quem eu sou.
Gostaria de ter chegado nessas conclusões de um jeito mais fácil, sinceramente. Queria que toda a dor pudesse ser evitada. Mas acho que tinha que ser dessa maneira para que eu desse valor a esse alívio. Ansiedade não é algo da qual você se liberta tão fácil, tampouco insegurança, mas, mesmo que devagar, vai diminuindo o poder que isso tem sobre você. Com o tempo, fica mais ameno.
Voltando ao que aconteceu depois que fui embora. Fui até o parque de skate, sentei em um banco e chorei até desidratar. Se alguém viu, não se importou. Caminhei pelas mesmas ruas que eu percorri com Nico na noite do nosso primeiro beijo. Andei e andei até sentir que cairia do cansaço. Andei sem rumo por um tempo antes que minhas pernas começassem a doer. Meus ombros latejavam com o peso da mochila.
Depois de andar feito um condenado, fui pra casa da minha mãe. Naomi não estava, então aproveitei o pouco de sossego que teria até ela chegar. Tomei banho, fiz jantar, li um pouco e ignorei as ligações de Rachel pelo resto da tarde e pela noite inteira. Quando Naomi apareceu, eu estava lavando a louça. Ela me viu, pegou uma caneca limpa, se serviu de café e foi pra sala.
Não houveram gritos. Não houveram trocas de frases odiosas. Não houve troca de olhar significativa. Não houve nada.
No dia seguinte, lavei roupa e pesquisei sobre emancipação. Vi de tudo um pouco, juntei informações relevantes, tirei dúvidas. Fiz uma boa pesquisa. Só nisso de pesquisar e correr atrás de respostas, se passaram dois dias completos. Era domingo quando eu parei pra respirar. Comi algo e vi que horas eram. 03:58 da madrugada.
Liguei pro Cecil.
一 Will? Cara, finalmente! Você tá bem? O que houve? Sua mãe apareceu na escola, cara. Tá tudo bem?
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir sua voz preocupada.
一 Não, eu não tô bem.
一 Calma, eu... Eu posso ir aí, se quiser.
一 Não precisa, mas... valeu. Eu fiz muita merda essa semana. Você não tem noção.
一 Por isso sua mãe foi na escola?
一 Exatamente por isso.
E eu contei tudo a ele. Desde o princípio de tudo. Desde quando eu mudei de turno até o momento que eu saí da casa de Nico. Contei tudo, exceto o desabafo do Leo e umas outras particularidades com Neecks (óbvio), com todos os detalhes dos quais me recordo. Em nenhum momento fui interrompido ou questionado. Ele só escutou.
Ao fim do monólogo, houve um silêncio. Não sei dizer se era agradável ou desconfortável ficar naquele silêncio. Cecil processou tudo o que foi dito e não me julgou pelo que fiz. Constatou que Octavian é um sociopata, que Nico tinha medo que eu fosse embora e que Naomi não se importa. Disse pra mim que eu tentasse resolver as coisas com Nico o quanto antes melhor. Como já eram por volta das 6:20 da manhã, desliguei.
Passei outro dia resolvendo as coisas com relação a emancipação. Não ia funcionar. Pelo menos, não como eu imaginava. Eu não considerava isso como uma derrota. Havia um plano B justamente pela alta probabilidade de falha do meu objetivo principal, então uma leve mudança de intuitos não era um problema e jamais seria um problema.
Vou poupar os detalhes. Depois eu comentarei sobre isso, mas, por agora, vou focar em outra coisa: Minha ausência na escola mesmo após o final do prazo da suspensão. Eu ainda estava cuidando da separação das minhas amizades mais antigas e queridas, ainda estava cuidando da minha recuperação emocional e mental. Pesquisei várias coisas sobre psicologia, fiz várias ligações para Lou e Rach, me demiti do meu trabalho de meio período, estudei alguns assuntos atrasados e cuidei de mim.
Eu tinha muita coisa pra refletir e tirei alguns dias pra isso. Me pus em primeiro lugar, me cuidei e priorizei o entendimento dos meus sentimentos por algum tempo. "Ah, mas por que você não ligou pro Nico? Por que não falou com ele?". Eu queria resolver tudo pessoalmente, olho no olho. Quero poder vê-lo enquanto explico o que aconteceu. Queria que ele me visse falar e não ouvir minha voz pelo celular.
Dadas as circunstâncias, só fui pra aula na quarta-feira. A maior parte de tudo já estava resolvido, exceto por uma única, e amais importante, pessoa. Mandei uma mensagem pro Frank, pedindo que ele me encontrasse na lanchonete da esquina antes da aula. Ele concordou sem questionar. Zhang apareceu não muito depois de mim e conversamos.
一 Oi, Frank. Como vão as coisas?
一 Caóticas. 一 Ele se sentou na mesa e suspirou. 一 E você, cara? O que houve? Cê tá bem?
一 Tô melhor, na verdade. Eu precisava de um tempo sozinho pra penar, mas não esperava que conseguiria desse jeito. Como o Neecks tá?
一 Mal. Tipo, mal demais. Ele só foi pra aula ontem e fez Octavian bater a cabeça.
Ele tirou o celular do bolso e me mostrou um vídeo. Nele, Nico segurava Oclixo pela gola da camisa e, com um movimento, o oxigenado bateu a cabeça na mesa.
一 Esse gótico atrevido...
一 É, isso o define bem.
Mordi o lábio inferior. Minha lua está brava como eu nunca tinha visto. Com a chegada inesperada de Octavian, muita coisa vinha se revelando.
一 Você precisa pedir desculpa. 一 Disse Frank, me tirando dos meus devaneios.
一 Eu vou e vou pedir hoje.
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