All-star e roupa gótica -- I -- Tênis legal -- (-Will-)

 



 Eu estava calmo e tranquilo quando saí do trabalho, tendo pensamentos felizes e planejando ver Star Trek. Fiquei surpreso ao me deparar com minha mãe sentada no sofá, me esperando. Achei esquisito, mas ela disse que tínhamos que conversar sobre algo importante e não podia adiar.


一 Não, não temos que conversar. 一 Retruquei, deixando minha mochila de trabalho na porta.


 Naomi pressionou a estrutura do nariz perfeito com os dedos e deu um suspiro exasperado.


一 Sim, nós temos. 一 Ela respondeu, mais irritada do que quando cheguei. 一 Pare de dificultar as coisas e só me deixe falar logo. Tenho compromisso.


 Engoli um comentário mordaz sobre o nível de importância que tenho para ela, mas ficou preso na minha garganta. Fui até a cozinha após tirar os sapatos e peguei um copo d'água. Se nesse mundo existe alguém mais negligente que essa mulher, eu ainda não conheço e nem quero. Ia seguindo o caminho até o meu quarto, porém fui chamado:


一 William Andrew Solace! 一 Corrigi.


一 Eu tô pouco me fodendo se é William, Andrew ou Jéssica! Só vem aqui.


 Respirei bem fundo e me sentei ao lado dela no sofá. Olhei fundo nos olhos da minha mãe, desejando desaparecer do mundo.


一 O que você quer?


 Naomi suspirou e deu de ombros, pegando um batom em sua bolsa. Percebi que ela estava pronta para sair. Revirei os olhos internamente.


一 Só quero comunicar que você vai estudar de manhã a partir da semana que vem. 一 Ela passou o batom vermelho-vinho, olhando por um espelho como estava. 一 Já solicitei na secretaria. Negócio patético... Quem já viu ensino médio a tarde?


 Primeiro, fiquei estático. Eu esperava tudo dela, mas não que fosse se meter na minha rotina. Depois do choque, a raiva queimou em minhas veias.


一 Você... Você fez o que?!?


 Observei a limpar um canto borrado antes de falar.


一 Solicitei uma troca de turnos. É bem patético da sua parte não ter feito isso antes.


一 Eu tenho motivos pra estudar a tarde. 一 Gritei. 一 Tenho trabalho de manhã, meus amigos estudam a tarde pelo mesmo motivo e minha mente está mais alerta nesse horário.


一 Então essa mudança vai ter ajudar. 一 Ela guardou o batom e o estojo de maquiagem na bolsa. 一 Não quero nenhuma nota abaixo de nove, me ouviu?


一 Será que você está me ouvindo?


 A esse ponto, eu já estava desesperado.


一 Não devo "te ouvir", William. Sou sua mãe e é seu dever me obedecer.


一 É a minha rotina, mãe. Você não pode se meter quando bem entender e mudar tudo.


  Naomi pareceu irritada.


一 Eu posso e eu devo. Pare de drama, cresça e seja um homem. Encare as dificuldades de frente. 一 Ela cuspiu tudo aquilo, me olhou com raiva e torceu o nariz. 一 Igual ao seu pai. Impressionante...


 Fechei a cara pra ela, ainda a encarando enquanto a mesma saía para seu compromisso. Nunca senti tanto repúdio de uma pessoa como sinto por ela. Pode até ser a minha mãe, mas isso não a torna uma santa e nem a dona da verdade absoluta. Respirei fundo, me sentando no sofá de forma pesada. Agora eu tinha que pensar em soluções para o meu problema.




☀       ✲       ☀



 Sentado a mesa com Cecil e Lou Ellen, contei o que ocorreu antes de precisar ir a escola. Falei com a secretaria, mas me disseram que não havia o que eu pudesse fazer porque era um pedido da minha mãe, minha responsável legal. Rachel apareceu pouco antes de eu comentar do "seja homem" e repeti tudo a ela, terminando a história.


一 Que mulher chata! 一 Lou Ellen exclamou, pegando uma maçã do meu prato. 一 Quem ela pensa que é pra falar assim?


一 Minha mãe e é exatamente o que ela é, Lou.


 Cecil parou de mastigar e ponderou um pouco.


一 Ela pode até ser sua mãe, mas não é ela que está vivendo a sua vida para controlá-la desse jeito.


 Rachel sorriu.


一 Finalmente falou algo que presta! Vejam só.


 Abri um sorriso meio desanimado e meus amigos perceberam. Na semana seguinte, eu não ia conviver com eles ou ter momentos como aquele, onde a tristeza facilmente era substituída pelo bom-humor. Eu ia sentir, e muito, falta de passar o dia com eles. Mantive meu foco no que eu devia falar ao meu chefe no dia seguinte.




☀        ✲        ☀




 Ao chegar na escola, me deparei com o motivo de esperar até o último sinal para ir para a primeira aula: Nico Di Angelo. Ele é perfeito. Estuda de manhã, fica conversando na porta da escola até que um cara mais velho apareça e eles saíam tagarelando sobre algo. Nico é exatamente a definição de anjo caído e emo gótico popular.

 Irei descrever sua aparência, para que possam visualizá-lo melhor. Ele tem cabelos negros e é meio o que chamamos de maria shampoo. Com isso, quero dizer que seus fios (para não repetir palavras aqui) são mais longos do que a maioria dos meninos. Seus olhos são de um tom escuro. A pele é pálida como neve. Seus lábios são avermelhados e, cara, uma tentação. Se a Branca de Neve existisse e tivesse um irmão gêmeo, seria ele.

 Só nos esbarramos na escola, no mesmo horário e mesmo local há mais de cinco meses, mas nunca sequer troquei uma palavra com Nico. Sou muito tímido para tentar uma aproximação. Como vocês já devem ter notado, eu tenho um crush nele. Eu tenho um crush em alguém que nunca me olhou na vida. Anotem aí: Trou-xa. Bem grande, tá?


一 Para de babar no bad boy, Will. 一 Cecil balançou a mão diante do meu rosto.


一 Não tô babando. 一 Reclamei, me voltando a ele e a Rachel, que desenhava algo em seu caderno.


一 Logo ia estar. Cara, só diz "oi" ao passar. 一 Me aconselhou o garoto, indicando o Di Angelo com o queixo e me olhando, esperançoso.


 O sinal tocou e ajudei a ruiva a juntar seus materiais de desenho da grama na qual ela os espalhara. Quase falei que Cecil não tinha coragem de admitir uma paixão avassaladora pela Lou, mas fiquei quieto. Não seira justo e nem adequado da minha parte esfregar esse segredo a mim confiado na cara dele sem dó. Passei a mochila pelos ombros.


一 Gostaria que fosse tão simples...


 Não tive coragem de dizer "oi" naquele dia.




☀         ✲         ☀




 Segunda-feira foi O dia. Acordei lá pelas cinco da manhã e constatei que minha mãe voltara do trabalho para casa. Fiz almoço para ela quando chegasse, o que me tomou uma hora e meia na cozinha, e deixei tudo no microondas para que Naomi só precisasse esquentar.

 Tomei um banho rápido e escolhi a roupa que iria. Camisa branca lisa e sem mangas; calça jeans e all-star amarelo. Verifiquei minha mochila, peguei um dos meus livros favoritos e um casaco xadrez verde que eu gosto. Depois de tudo arrumado, passei um creme para definir os cachos. Improvisei um café da manhã.

 Consegui pegar o ônibus, mas estava meio cheio, então não tinha lugar onde eu pudesse sentar. Era algo novo e esquisito pegar transporte de manhã. Tudo era mais silencioso no ponto de ônibus e na rua. Esperava que o colégio fosse assim também. A paisagem passava pela janela a minha frente até que reconhecer o local na qual o próximo ponto era o meu.

 Quando cheguei, o portão ainda estava fechado. Fui na lanchonete da esquina e comprei um refri, me sentando em uma das mesas para comer meu sanduíche. Estava bom, mas eu só conseguia pensar na discussão com minha mãe na quarta passada. Uma coisa era conversar comigo sobre a troca de turno, outra bem diferente era fazer por si mesma.

 Voltando a escola, o primeiro sinal tocou. Peguei na mochila o papel com os horários matutinos que o professor de educação física me passou, o número da minha sala circulado em vermelho. Fui até o corredor do segundo ano e olhei em cada placa, parando em frente a porta que eu suspeitava ser da minha. Conferi no papel, sentindo-me atentamente observado.

 Qual foi a minha surpresa ao me deparar com Nico Di Angelo me encarando, encostado na parede a poucos metros de mim? Eu podia sentir sua aura angelical me envolvendo. Não senti vergonha do seu olhar. Na verdade, me senti em paz, como já fazia um tempo que não sentia.


一 Tênis legal. 一 Ele disse, um tom ameno em sua voz. Parecia que ele ia suspirar.


 Sorri, feliz com o elogio.


一 Obrigado.


 Constatei que aquela era a minha sala e entrei, vendo-a quase vazia. Um garoto latino pegou alguns materiais de uma mochila e passou me olhando, como se eu o tivesse flagrado. Talvez tivesse mesmo. Escolhi uma carteira no canto da sala e coloquei meus fones para ler enquanto ouvia música. O meu dia ia ser longo.




☀         ✲        ☀



 A aula de história com a professora Reyna foi bem tranquila. Ela achou bem legal que ia me ver mais vezes, pois só dá aula a tarde duas vezes por semana e eu sou um ótimo aluno. A aula de educação física também tinha sido boa. Aí Cecil me ligou no intervalo.


Alô?


一 Cecil? Você não deveria estar trabalhando?


一 Estou na pausa. Como tá aí?


一 Bem...


Aconteceu algo, né?


一 Talvez, mas estou processando o ocorrido.


Depois me conta.


一 Pode deixar. Tchau.


Per-


 O sinal para a aula tocou e rapidamente me despedi. Eu ainda mal podia acreditar, sendo sincero. Eu tinha falado com Nico Di Angelo. Olhei para meus tênis, me perguntando se são legais mesmo. O foco é: Eu falei com ele e a primeira coisa que Nico me disse foi um elogio. Certo, é só um elogio, nada demais. Mas era o bastante para eu me sentir na mais absoluta plenitude que existe.






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