Chuvinha -- Capítulo Um

 




 Sempre me considerei alguém sensato, mas não esperava que minha sensatez me levaria ao lugar onde estou agora.

 Eu só queria um abrigo e me deparava com o garoto barra pesada da escola, que, só para acrescentar mais vergonha a minha sentença de morte, eu gostava secretamente e já tinha tentado beijar. É... Estava tudo uma maravilha.

 Esse garoto em questão era Nico Di Angelo. Ele tem cabelos negros como a noite sem lua; olhos escuros como os troncos das árvores que compõem as florestas imaculadas do Canadá e pele tão branca quanto seda. Nos lábios, carnudos e levemente rosados, havia um piercing que eu nunca me cansava de admirar. Olheiras escuras sob os olhos me faziam refletir se suas noites eram realmente bem dormidas.

 Nico esconde o corpo sob roupas de tons escuros e pesadas. Algumas poucas calças jeans eram justas o bastante para me permitirem admirar suas pernas, quase como se ele soubesse que eu fazia isso, o que seria constrangedor.

 Mas, o que me fez ficar preso à ele? Chuva. Simples e plena chuva. Lembro de mim mesmo, semanas antes, desejando com todas as forças que chovesse. Isso seria antes de eu descobrir que ficaria enfurnado embaixo de um ponto de ônibus sem teto com a pessoa por quem eu me apaixonei e quero a todo custo fugir.

 Outra pergunta que estão me fazendo agora é: Por que ele é barra pesada? Boatos correm como formigas atrás de açúcar e todo mundo sabe disso.

 Tudo começou no sétimo ano do fundamental. Espalharam por aí que ele foi pego batendo em um cara que tinha implicado com a irmã dele, Hazel, que era do sexto na época. Ninguém nunca deixou que o boato morresse e comentavam sobre todos os anos. Ele ficou conhecido assim.

 Toda vez que se aproximavam dele, era com o rabo entre as pernas, implorando aos deuses que não morressem moídos de pancada por aquele garoto. Mas eu nunca acreditei que ele tivesse feito isso mais vezes do que o necessário. Eu até cheguei a ser amigo dele depois de ajudá-lo com uma tarefa de inglês.

 A única coisa que me afastou dele foi a trágica Tentativa do Beijo, como a história é chamada entre meus irmãos. Estávamos fazendo um trabalho na biblioteca quando eu tentei. Ele desviou-se de mim e me olhou com tanto pânico que eu imediatamente entendi que tinha feito algo errado.

 Nunca mais falei com ele depois da apresentação. O clima ficou tão pesado que era impossível suportar. Por isso me afastei.

 Não me preocupei com o que pensavam, não me preocupei com os boatos, não me preocupei com o que Nico iria contar, não me preocupei em saber sua reação e o que ele pensava sobre minha tentativa e meus claros sentimentos por ele.

 Ele nunca correu atrás de mim pra dizer o que pensava, nunca procurou se reaproximar, nunca disse uma palavra sobre e nunca ouviu meus sentimentos sendo confessados pela minha boca. E, pra mim, aquilo bastava. 

 Eu não queria passar por outra vergonha e ser rebaixado por ele. Eu não queria ouvir que ele não gosta de mim e que nunca vai me amar. Eu já sabia disso. Ouvir da boca de Nico, a boca que eu já tentei colar com a minha... Seria muito pior.

 Ali, ao lado dele, eu já estava constrangido. Aquilo era o mais perto que estávamos em, talvez, dois anos. Eu estava sentado no chão e Nico estava de pé, encostado na parede úmida. Mesmo sentado, eu estava quase na cintura dele, o que me fez lembrar que ele fica um anão perto de mim. 

 Sim. Um dos maiores comentários que faziam eram a minha altura comparada com a de Nico. Eu com meus bons 1,84 e Nico com seus 1,65. Já tinham me chamado de poste, mas não tanto quanto o garoto do meu lado. Ele implicava muito com isso.

 Depois que eu cheguei, demorou apenas quatro minutos de silêncio...


一 Bom te ver, Solace. Bom te ver... 一 Ele disse, o tom doce como um dango que minha prima comia todo santo sábado.


 Fiquei muito surpreso ao perceber que o comentário era dirigido a mim, obviamente. Ergui o rosto em sua direção e vi seus olhos escuros como a noite vidrados em mim. E havia uma mistura de hospitalidade e algo semelhante a saudade.

 Minha garganta secou só de pensar que talvez ele sentisse falta da minha companhia. Perguntei-me mentalmente se deveria dizer alguma coisa. Limpei a garganta, engolindo o nó que havia se formado e me esforcei para dizer:


一 Acha mesmo?


 Nico sorriu, exibindo aqueles dentes perfeitos e os caninos sobressalentes.


一 Claro que sim. Por que não?


 Meu corpo todo estremeceu com seu tom, reagindo a ele de uma forma que eu tinha esquecido o quanto me afetava. Di Angelo possuí esse efeito em mim. Fechei os olhos, sentindo o rosto esquentar. Não queria encará-lo de novo. Ouvi-o rir levemente da minha reação. Senti meu coração bater mais rápido.


一 Não vai me responder?


 Eu não queria. A resposta que sairia da minha boca deixaria a situação muito desconfortável e eu ainda tinha que pegar o meu ônibus para ir pra casa. O moreno, sem obter aquilo que queria, se ajoelhou na minha frente. Seu rosto ficou tentadoramente perto do meu.


一 Sabe, Willie... Você nem me deixou falar nada naquele dia...


 Franzi o cenho, fingindo não entender do que ele estava falando. Meu coração estava disparado. Também ignorei o apelido que ele costumava usar nos momentos mais carinhosos. Não queria dar bandeira que ainda gostava dele.


一 Eu não...


一 Tô falando do dia que você tentou me beijar... 一 Esclareceu.


 Murmurei um Ah mudo e mordi o lábio. Ele deitou a testa na minha coxa e sorriu.


一 Na época, eu não tinha certeza do quão profundos meus sentimentos por você eram. E... só depois que se afastou foi que eu percebi o quanto que você me faz falta. Ainda faz, sabia? E muita. 一 Ele disse tudo tão rápido que fiquei atônito.


 Nico levantou o rosto de onde estava aconchegado e se aproximou de mim.


一 Desejei muito que viesse falar comigo durante esses anos, mas você sempre se esquivou de mim, muito envergonhado com minha presença.


 Engoli em seco, mas passei a mão por sua nuca. Meu corpo já não me obedecia.


一 Eu... gosto de você, Neecks. Ainda gosto de ti daquele jeito, talvez até mais...


 Um sorriso completamente bobo surgiu em seu rosto.


一 Que bom. Isso é... Muito, muito bom...


一 Por que?


一 Por causa disso...


 E ele selou seus lábios com os meus. Tudo em mim formigou de uma maneira que eu nunca experimentei antes. Fechei os olhos, apreciando a sensação de tê-lo colado a mim. Sua mão, que repousava comportada em minha coxa, subiu até agarrar minha camisa. Passei a mão livre por sua cintura, o puxando para ainda mais perto.

 Eu estava em êxtase. Foram muitos anos e noites a fio desejando aquele toque, desejando poder tocá-lo dessa forma, mas me escondi depois da primeira rejeição, completamente na defensiva e com medo de acontecer de novo. Mas ele também gosta de mim. Nico Di Angelo me beijou... Puta. Merda.

 O pior de tudo? Viciei no sabor maravilhoso de seu beijo, viciei na sensação de seu piercing contra minha boca, de sua língua enroscada na minha, de sua pele fria entre meus dedos e do quão forte e rápido seu coração batia. No fim das contas, amei que tenha chovido e que meu ônibus tenha demorado mais que o normal.




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