NTL -- Café Docinho (XXIV)

 



 O meu dia começou tranquilo. Me levantei, tomei um banho e me vesti. Fiz um café da manhã típico de dia de folga, torradas e chocolate quente, e me acomodei no sofá para assistir a um filme com Will. Escolhemos uma comédia romântica clássica, nos aconchegamos um no outro e demos o play.

 Lá fora, um dia nublado se iniciava com muita preguiça. Pela cor das nuvens, era capaz que chovesse mais tarde, mas isso não importava. O clima era perfeito para que eu e Solace passássemos o dia a sós, coisa que está sendo difícil de acontecer por agora. William tem trabalhado muito e muito duro. Ser médico é tudo o que ele quer como carreira e conseguiu.

 Enquanto víamos Como Se Fosse A Primeira Vez, uma sensação de paz me invadia. Eu sentia que nada podia dar errado. Não haviam preocupações que assolassem nossa mente ou perturbassem nosso dia. Não haviam incômodos que pudessem bater a nossa porta. Não haviam problemas que precisassem de nossa atenção imediata para resolver. Nada.

 Momentos preciosos assim são raros e perfeitos enquanto duram, nada e nem ninguém pode estragá-los. Porém, cada segundo que passo com Will é especial. Ele me entende e praticamente todo santo dia se declara para mim como se fosse a primeira vez que faz isso. Sempre ressaltando o quanto me ama e o quanto eu sou importante para ele.

 Amar alguém de forma tão profunda e incalculável quanto eu o amo é inconcebível. É algo tão maravilhoso e misterioso que eu não sei por quê de sentir tudo o que sinto por ele. Dá muita insegurança e confiança ao mesmo tempo. Eu me sinto vulnerável e seguro. Sinto medo de errar e confiança para tentar. Mas nunca me senti violado, abandonado ou mal-compreendido. Sei que ele nunca faria isso.

 Parece que a cada minuto, o sentimento dobra de tamanho. Está completamente fora do meu controle. Eu conheço seus defeitos, um a um. Sei de cada falha. De cor e salteado. Mas aos meus olhos Will é perfeito. Como poderia ser diferente? Desde o nosso primeiro encontro, quando nos conhecemos no Starbucks, ele vem iluminando meus dias. Me curou dos meus traumas e me livrou da angústia que sentia. Não há como eu amar outra pessoa que não fosse ele.

 O filme acabou, mas deixou conosco a emoção de sua marcante história. As torradas e o chocolate quente acabaram, entretanto há muito mais tempo que o longa-metragem. Nos levantamos, ajeitamos tudo e lavamos os pratos e utensílios sujos. Depois, fizemos outras coisas: jogamos Uno, assistimos a uma série e vimos vídeos no Youtube. Quando deu dez horas e trinta minutos, fui para a cozinha planejar o que preparar para o almoço.

 Olhei os armários para verificar ingredientes e peguei um caderno de receitas da minha mãe. Seria legal comer algo que ela fazia quando eu era criança, mas o quê? Folheei o caderno, sempre lendo a lista de ingredientes, mas nada me parecia bom. Frustrado, comecei a puxar na lembrança. O que ela fazia nas quintas?


一 Will, pode vir aqui?


一 Já estou indo. 一 Ele respondeu, do banheiro. 一 Só espera um pouquinho.


 Senti meu rosto esquentar só de pensar no que ele poderia estar fazendo lá, mas contive minhas suspeitas e aguardei. Não tardou muito para ele aparecer.


一 Do que precisa? 一 O alfa perguntou, prestativo.


一 O que quer comer no almoço?


 O loiro cruzou os braços.


一 Isso é sério?


 Suspirei, controlando os feromônios.


一 Super sério. O que quer comer no almoço?


一 Pra mim, o que você escolher tá bom. 一 Ele pegou o caderno no balcão. 一 Por que?


一 Porque eu não sei o que preparar.


 Will pensou por um instante.


一 Leo já te passou a receita daqueles tacos?


一 Há eras, mas não temos tudo necessário para o preparo. Outra ideia?


 Ele pensou um pouco.


一 Por que você não faz aquela macarronada ao molho de tomate com calabresa.


一 Acabou a calabresa.


一 Certo, certo. 一 Ele suspirou. 一 O que temos?


一 Tomate, queijo, presunto, macarrão, molho de tomate, carne moída, molho branco, abobrinha, batatinha, cenoura, salsicha, arroz, feijão, farofa. peixe, cereal, leite, açúcar, café, abóbora, bisteca de porco e milho verde.


 Solace sorriu.


一 Tive uma ideia. Acho que você vai gostar.


 Ergui uma sobrancelha.


一 E qual é?


一 Que tal lasanha?


一 Era o que minha mãe fazia nas quintas.


一 É gostoso, nada prático ou econômico.


一 E é demorado.


 Will me deu um selinho, o que me fez derreter e focar no seu rosto. Eu não tinha notado que ele estava se aproximando até me tocar. O alfa passou um braço por minha cintura e a outra na minha nuca. Me olhou fundo nos olhos e me beijou, tipo, de verdade. Puxei-o mais para perto, prensando-o contra mim.

 O primeiro ósculo se tornou outro e depois outro, com cada vez mais avidez. Seus dedos puxaram levemente o meu cabelo, tentando me desestabilizar. Sua mão deslizou da minha cintura para a coxa, levantando minha perna e o meu corpo para me colocar sentado na pia. Senti cada parte dele contra mim e desejei mais.

 Cedi passagem para sua língua e duelei com ela pelo controle, mas me deixei perder. Quando o ar faltou, interrompi o beijo. Tanto William quanto eu estávamos ofegantes. Ele me devorava com os olhos, contudo hesitava. Estava se segurando e muito. Sorri pra ele. O loiro já sorria antes e me deu um último selinho.


一 Temos todo o tempo do mundo, meu amor.


 Enlacei-o com as pernas.


一 Então, depressa. 一 Provoquei-o. 一 Vamos fazer logo o almoço porque eu tô com fome.


 Will soprou um riso e se aproximou de mim, mais carinhoso dessa vez. Beijei-o com leveza e toda a malícia evaporou. Só sobrou amor. Ele se afastou, os olhos azuis percorrendo cada centímetro do meu rosto.


一 Como você quiser.


 Voltei a me concentrar no preparo do almoço e fiz todo o necessário para colocar a lasanha no forno. Por volta de meio dia e pouco, arrumamos a mesa e comemos. Estava uma delícia. Solace me elogiou a cada garfada. E, de sobremesa, dividimos uma barra de chocolate com grãos de café.

 Depois da refeição, fui lavar os pratos e fiquei pensando nos meus amigos. Faz tempo que eu não vejo Piper e o Leo. Nas últimas semanas, saí mais com Hazel, para conhecê-la melhor e tal. Mas Jason tem estado ocupado, Percy complementa a renda da casa deles dando aula de natação, Annie tem projetos próprios e Pipes sumiu, assim como Leo.

 Quando eu os veria de novo? Será que nossa amizade tinha acabado? Ou eu é que afastei e não percebi? Eu deveria mandar uma mensagem a eles? Não estariam ocupados demais para me atender se eu ligasse? Será que eu ligaria sabendo que pode cair na caixa postal? São tantas dúvidas sem conclusão. Não adianta fazê-las se não pode responder.

 Parei quando senti uma respiração quente na minha nuca, seguido de um beijo no local.


一 O que está fazendo?


 Prendi a respiração.


一 Pensando...


一 No que?


 Will me abraçou por trás.


一 Em umas coisas...


一 Tipo?


 Ele ficou em silêncio por um tempo, mas senti seu rosto no meu pescoço. O loiro beijou a junta entre o pescoço e o ombro, subindo gradativamente enquanto mordiscava a minha pele e me seduzia com seus feromônios. Mordi o lábio inferior para evitar arfar, mas eu já estava ficando sem ar. Pus a mão na boca e respirei.

 Ao mesmo tempo, senti suas mãos descerem até aquele lugar. O impedi e me apoiei nele. William tinha conseguido me excitar. Porra.


一 Nada de sexo, Solace. 一 Suspirei.


 Vi-o sorrir.


一 Eu sei, mas tenho outros planos.


 Fechei os olhos. Eu já estava sentindo minha lubrificação natural escorrer e se acumular. Eu não só queria como também precisava dele agora. Meus feromônios devem ter deixado isso claro antes que eu falasse:


一 Certo, eu aceito.


 Sua voz verberou no meu peito.


一 Como se pede?


一 Por favor...


 Senti meu rosto sendo puxado para o lado e retribui o beijo assim que ele aconteceu. O ósculo foi leve e só me deixou com mais vontade. Entretanto, me controlei e aguentei.


一 Como quiser, mio angelo.




✲            ✲           ✲



 Sorvi um gole de café, pensando no que tinha se passado há algumas horas. Já eram quatro da tarde, quase cinco. Eu ainda sentia como se estivesse nas nuvens. Will ainda devia estar dormindo. Ao pensar nele, fiquei me sentindo mal. Ele sente falta de sexo, isso é inegável, mas eu não sei bem se eu quero. Pode parecer bobagem e tal, contudo é sério. Dá muito medo. Muito, muito medo.

 Eu pedi para irmos devagar, mas estamos na masturbação há três meses. Hoje chegamos o mais perto de sexo, mas eu sei que não é mesma coisa. Toda vez que eu me determino a superar esse medo, eu lembro de Lídia, dos comentários de Jason, principalmente os da Bianca. E eu travo.

 É complicado pra mim.

 Correção rápida: Eu quero, eu desejo Will sexualmente, mas eu travo toda vez que eu tento. Toda essa pressão (vinda de mim mesmo) me faz questionar se eu realmente quero. Fico pensando na festa que Jason daria e na cara feia com a qual Lídia me cumprimentaria pelo resto da minha vida. "Ah, mas a opinião dos outros não devia te incomodar!". Tem uma música bem legal que diz: Fácil de falar, difícil fazer. Pois é.

 Foi quando eu senti uma quentura na minha orelha esquerda e uma pressão no lado direito do meu pescoço. Tudo parrou por um momento quando senti os lábios de Will roçarem na hélice da minha orelha, me provocando. Meu coração acelerou, mas não me movi. Senti que ele sorria.


一 Oi.


 Sua voz estava rouca e sonolenta, como se tivesse acabado de acordar, o que devia ser o caso. Inevitavelmente sorri.


一 Oi... Dormiu bem?


一 Muito bem.


 Ele beijou o meu pescoço lascivamente, o que fez um arrepio atravessar o meu corpo. Virei a cabeça para trás para acomodá-la melhor no encosto e para olhá-lo melhor. Não foi nenhuma surpresa quando ele me beijou a la homem-aranha de baixa qualidade. Cada parte de mim formigou. Puxei o rosto dele e aprofundei o beijo, tornando-o de língua.

 Solace explorou a minha boca com avidez, me oprimindo e desafiando enquanto fazia isso. Dessa vez, duelei um pouco em ele pelo controle e ficou meio empatado. Tudo o que é bom, um dia acaba, e o beijo terminou com um estalinho molhado. Fiquei só admirando a face do loiro por alguns minutinhos, pensando no quanto ele é lindo e eu tive sorte de "fisgá-lo", como chamam. Minha vontade foi jogá-lo no sofá, mas não o fiz.


一 Que tal você se sentar, antes que eu mesmo o faça no seu lugar?


 Will abriu um sorriso e soprou um riso.


一 Claro, claro. Um momento.


 Ele deu a volta e se sentou do meu lado. Deitei a cabeça em seu ombro, sentindo-o passar o braço por minha cintura. Fiquei tentado a ligar a TV para descobrir o que estava se passando, mas fui interrompido pelo alfa. Ele puxou o meu queixo com o indicador e o médio, se aproximou devagar e me beijou delicadamente

 A gente vinha se beijando muito e muito intensamente nos últimos tempos. Tenho quase certeza que é a tensão sexual aumentando entre nós e não sei bem o por quê. Uma grande parte dos nossos amassos termina com a gente na cama, se masturbando de novo e de novo. Entretanto, não temos nos cansado. Isso é normal? Ou é só o corpo pedindo por sexo?

 Eu não sei, mas dá medo.

 O primeiro beijo se tornou outro, com mais paixão e vigor. Minha mente estava ficando nebulosa, como se meus instintos estivessem superando a racionalidade. De um instante para o outro, sentei no colo de Will, sentindo suas mãos em minhas coxas. Ele as apertava para me desestabilizar e emitia grunhidos, como se estivesse se comunicando de alfa para ômega.

 Paramos por um momento, para respirar, e percebi suas pupilas dilatadas. As minhas não deviam estar muito diferentes. Ele se aproximou de mim de novo, mas, dessa vez, seu alvo era o meu pescoço e não minha boca. William cheirou o local e depois beijou. Senti um pequeno aperto no peito e meus feromônios devem ter passado o recado: Ainda não, por favor.

 O loiro grunhiu de descontentamento, mas não me marcou. A Marca é um vínculo importante que conecta a alma e o destino de um alfa com um ômega. Eles passam a pertencer um ao outro e depois que um alfa marca um ômega, não pode ser desfeito. É para sempre e irreversível. Não que eu não queira, só que não agora.

 Os beijos de Will subiram pelo meu queixo até seus lábios selarem os meus. Não importa quantas vezes eu o beije, algo dentro de mim sempre estremece como se fosse a primeira vez. Comecei a sentir minha consciência cada vez mais distante. Interrompo o ósculo na tentativa de recuperar o controle do meu próprio corpo, visto que eu estava prestes a perdê-lo.

 Saí do colo dele e voltei a sentar comportadamente no sofá. Peguei minha caneca na mesa de centro, tomando um gole revigorante de café. Eu nem sequer recordo de tê-la deixado ali. Tem algo acontecendo e eu não sei o que. Ou talvez saiba e não queira enxergar. Sei lá. É muito confuso.

 Senti o alfa pegar minha mão e entrelacei meus dedos com os dele, tentando me manter encorado ao mundo físico e real.


一 Você tá bem? 一 Ele me perguntou, a voz suave tentando me acalmar.


一 Tô. 一 Menti. 一 Apenas um pouco inseguro.


 O loiro soprou um riso.


一 Um pouco?


 Suspirei.


一 Tá. Bastante inseguro.


 Solace levou minha mão aos lábios e depositou um beijo em seu dorso.


一 Sabe que vou te esperar. Por que se tortura?


 Encostei a cabeça no sofá e fechei os olhos.


一 Se você escolher não ter relações sexuais comigo ou com ninguém, tudo bem. Eu te amo e vou passar o resto da minha vida ao seu lado porque eu não sei viver sem você. Qual é o problema?


一 Eu também te amo. Não tem nada a ver com você, se é o que tá pensando. Eu tento não me importar, mas quanto mais eu tento, mais eu me importo, Willie. Eu quero você e vou conseguir, mas não agora.


 Will sorriu e fez um carinho na minha mão.


一 Ainda bem. Mas eu vou esperar o tempo que for até que você queria e consiga substituir o pau de borracha por um de verdade.


 Ri de sua brincadeira.


一 O seu, de preferência.


 E nós ficamos aquele momento maravilhoso apenas curtindo a presença um do outro. Eu amo Will de uma forma que eu nunca achei que fosse capaz de amar alguém. O sentimento me enche e transborda em cada palavra, cada gesto, cada toque, cada olhar que trocamos ao londo dia. E ter esse amor correspondido? É incrível e... mágico.

 Peguei a outra caneca que repousava na mesinha de centro, intocada desde que a deixei ali, e servi café. Entreguei-a a William e tomei o conteúdo da minha, ou o resto que sobrou nela. Uma leve chuva se chocava contra a janela. O clima estava perfeito para um filme, mas nos contentamos com o silêncio.

 Deitei a cabeça no ombro dele, pensando nos últimos quatro anos de relacionamento.

 O alfa cuspiu o café.


一 O que foi?


 Ele fez uma careta.


一 Muito doce.


 Sorri.


一 É... Eu sempre fiz um café muito doce.


一 Um café docinho, como você.


 Fiz bico.


一 Eu não sou um docinho.


一 É, sim


一 Não sou, não.


一 É, sim. O meu docinho.


 Bufei.


一 Boiola.


一 Olha quem fala...




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