Arranco a página do caderno, faço uma bolinha com ela e a jogo na direção da lixeira perto da porta do quarto. Não tem a menor chance de isso dar certo. Se eu realmente quero começar essa maluquice de bilhetinhos fofos antes de chamar Nico pra sair, preciso de poemas melhores ou pelo menos algumas piadas realmente boas.
Leo não vai me ajudar com isso, já que está muito ocupado usando seu extenso roteiro de piadas com outra pessoa. Honestamente, eu não sei como Jason consegue beijar uma boca que sai tanta baboseira, mas vida que segue, né.
Eu quero beijar uma boca que faz uma declaração de suicídio/homicídio diferente toda vez que Percy pronuncia uma sílaba, então não posso ficar julgando muito.
De toda e qualquer forma, eu quero muito chamar Nico pra sair, mas ele é o integrante mais barra pesada do trio dos populares, composto por ele, Jason Grace e Percy Jackson. E eu sou só o aluno mais nerd da Olympus High School, tentando desesperadamente aprender qualquer coisa que me faça ir bem no teste de admissão da Asclépius University.
Meu nome é Will Solace, filho de Naomi Solace e meio-irmão de Lee Fletcher. Minha mãe disse que Fletcher é o sobrenome do pai de Lee, que ele próprio escolheu manter quando o pai foi embora, antes que eu fosse concebido. Tenho 17 para 18 anos e estudo pra entrar na melhor faculdade de medicina do país desde meus dez anos de idade.
Eu sou meio obstinado com meus objetivos, acho que isso é perceptível. E eu meio que sou apaixonado por Nico Di Angelo desde os meus treze anos. Foi essa paixão avassaladora por ele que me fez descobrir que eu sou bissexual.
Depois de tanto tempo guardando e alimentando os sentimentos que eu tenho por Nico, eu finalmente fiquei de saco cheio e decidi tentar fazer o impossível: conquistá-lo. Eu não vou conseguir fazer isso, mas vale a pena tentar.
Ou talvez não.
Tá legal. Talvez eu seja bem inseguro e incerto sobre a minha imagem, mas esse não é o ponto. Eu não sou um deus na Terra. Eu não sou bonito como o Percy, não sou gentil e compreensivo como o Jason, não sou engraçado e simpático como o Leo ou não sou inteligente e fofo como Frank. Eu não tenho nenhuma dessas qualidades.
Em resumo, eu não tenho a menor chance de sequer chamar a atenção de Nico Di Angelo.
Sendo bem sincero, cansei por hoje. Eu ainda preciso pesquisar alguns temas que vão cair na prova de História e a minha redação dissertativa sobre Urbanização não vai se escrever sozinha. Estou muito frustrado pra escrever bilhetes fofinhos. Quem sabe outra hora.
Talvez eu acabe desistindo da ideia mesmo. Não estou mais tão certo se vale a pena tentar só para fracassar no final. Melhor eu colocar meus pés no chão novamente.
💋
一 Will! 一 Ouço me chamarem assim que saio da sala de Biologia após a apresentação dos slides sobre Ecologia. 一 Espere aí!
Paro e me viro, deparando-me com Piper, que quase entrou no meu grupo do trabalho de Inglês, mas não tinha espaço. Ela é uma garota rica e popular no colégio. Ex-namorada de Jason e melhor amiga de Annabeth, namorada de Percy.
Piper McLean tem uma vida quase perfeita e provavelmente seria rainha do baile se Percy e Annabeth não fossem o casal mais bonito da escola inteira. Eu gosto de Piper. Ela é uma garota muito legal, divertida e leal, mas não me ocorre nenhum motivo para ela estar me gritando no corredor após a única aula do dia que teremos juntos.
一 Will! 一 Ela diz com um tom alegre quando já está mais perto de mim. 一 Você saiu que nem uma bala. Mal consegui ver para onde você foi.
一 Foi mal. Eu tenho algumas coisas pra revisar na hora do almoço. Do que você precisa?
Ela pega um bilhetinho de um dos bolsos menores de sua mochila e me entrega. É quando o pego nas mãos que vejo que não é um bilhetinho e sim um convite amarelo.
一 Eu vou dar uma festa na minha casa na semana que vem. Dia 11, às 18 horas. 一 Ela recita o que já diz o convite. Meu nome está escrito em uma caligrafia caprichada. Noto que ela fez o convite especialmente para mim. 一 Seria muito bom se você pudesse levar os seus famosos bolinhos.
一 Os bolinhos de brownie e ameixa?
一 Esses mesmo. Se você puder, claro. Esse período de trabalhos é muito difícil e entendo se você não encontrar tempo pra isso.
Olho na direção da biblioteca, onde eu preciso chegar e ocupar uma mesa o mais rápido possível se eu quiser revisar minhas anotações e corrigir minha redação antes de passar a limpo. Tenho tantas coisas pra estudar que me dá sono só de lembrar.
Pondero rapidamente sobre o descanso mental que a festa pode me proporcionar e o cansaço emocional que será. Depois de tantas horas seguidas estudando, eu preciso de um respiro, por mais canecas de café com leite que eu precise ingerir para restaurar minhas energias emocionais.
Tenho mais a ganhar do que a perder.
Suspiro.
一 Farei o possível pra levar os bolinhos.
Piper abre um sorriso de orelha a orelha e dá alguns pulinhos sem sair do lugar. Sopro uma risada fraca e me faço menção de ir embora, mas ela me para com a mão em meu braço. Sua expressão parece iluminada pelo sol. Acho que ela tem algo mais a dizer.
一 Aposto que vão gostar mais te ver lá do que dos doces que você levar.
Antes que eu possa ao menos agradecer pela gentileza, ela se vira e sai correndo, dobrando o corredor com mais agilidade do que eu pensava que ela tem. As pessoas acompanham o caminho que ela fez e cochicham entre si. Dou de ombros como se isso acontecesse sempre e retomo meu rumo até a biblioteca.
Quando entro, me deparo com Nico Di Angelo pegando um livro emprestado. Ele bate o anel de caveira na mesa enquanto Ella registra o empréstimo da obra. Leo Valdez está andando por aí, cumprimentando todo mundo e atormentando alguns leitores quietos, mas sei que ele está matando tempo enquanto espera por Nico.
Aproveito que desacelerei o passo para admirá-lo. Nico tem uma aparência angelical, pose de badboy e muita bagagem emocional, a qual somente algumas pessoas sabem. Já vi vários vislumbres de quem ele realmente é por baixo de toda a reputação que ele construiu. Já o vi ser um amor com Hazel e azedo com Percy, no passado. Já o vi preocupado com Leo e secretamente ansioso com alguma apresentação importante.
Nico finge não ligar, mas eu sei que ele é uma das pessoas que mais liga para os outros. Eu já testemunhei todas essas facetas, todas essas demonstrações de sensibilidade, todas as vulnerabilidades que ele esconde a sete chaves. Por que eu percebo essas coisas e os outros não? Porque eu sou mais observador que a maioria. Já me falaram muitas vezes que eu tenho os olhos de um artista.
A melhor parte é a seguinte: Ele nem ao menos sabe meu nome. Ele se diz um ser das trevas, mas sou eu quem vivo nas sombras, atento aos detalhes que as pessoas deixam escapar. Alerta até mesmo aos segundos reveladores em que as pessoas saem do personagem e perdem a compostura.
Nico Di Angelo não sabe o meu nome. Eu tenho um precipício por ele desde o fundamental II. Ele nunca vai descobrir. Ele não sabe quem eu sou. Só conhece a silhueta de um rapaz por quem ele nunca vai se interessar. Isso me traz alívio da mesma forma que me traz um aperto no coração. A certeza de saber como algo vai findar antes mesmo de começar.
Quando enfim Ella termina o registro de empréstimo, Leo vem até mim e me cumprimenta.
一 Will, o garoto de ouro. 一 Diz, empolgado, embora eu não seja assim tão brilhante. 一 Cê já terminou a redação de Geografia?
Assinto, os olhos de Nico me queimando vivo. Dou um passo pro lado, expondo mais Leo, achando que é ele quem ele estava tentando encarar. Mas a sensação não passa.
一 Pode me explicar depois como você fez?
一 Claro.
Tem alguma coisa errada. A maneira como Leo fala um pouco mais alto que o normal agora. O brilho travesso em seus olhos. O sorriso em seu rosto. O jeito levemente carinhoso que ele está me tratando. Leo é meu melhor amigo. Fora da escola. Dentro da escola, ele é o melhor amigo de Nico Di Angelo. Ele me prometeu.
Quando eu contei sobre minha paixão por Nico, ele prometeu que nunca falaria de mim pra ele. Isso antes de os dois ficarem amigos. Antes. Os dois se aproximaram muito e eu fui me afundando cada vez mais nos estudos. Nossos contatos ficaram menores, mas nossa amizade não. Ele me prometeu que ninguém saberia que ainda somos tão próximos.
E agora ele está demonstrando nossa amizade na frente de Nico, o melhor amigo dele e minha paixão desde que pisei na sala do sétimo ano, aos 13 anos, mesmo quando me prometeu de pé junto que não faria isso, que não deixaria ninguém saber.
Tem algo errado. Algo na maneira como, quando me volto para Nico, ele está me olhando. Algo em como Leo bate no meu ombro afetuosamente. Algo em como ele se afasta e vai até Nico. Algo na forma como Nico entrega o livro pra ele, ainda olhando pra mim. Algo em como eles saem da biblioteca.
Olho ao redor, tentando entender se não foi algo que eu imaginei. Tentando entender como eu vim parar nessa situação. Tentando entender por quê o ar parece tão carregado de tensão. Tentando entender por quê parece que algo importante está prestes a acontecer.
Ocupo uma mesa de estudos no canto da biblioteca e corrijo minha redação dissertativa sobre urbanização, metade do meu cérebro focado na tarefa e a outra metade remoendo a cena, esmiuçando-a em busca de peças num quebra-cabeça que eu sequer sabia que existia.
Nico não sabe o meu nome.
Pelo menos, não deveria saber.
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