Acusações falsas

 



 Mike não queria relembrar tudo o que tinha passado para o levar até ali. Não queria mentir para os policiais diante dele. Apertou mais a barra da camisa manchada de alvejante. Olhou para Hillary, se debatendo sob o aperto firme do acusador de seu irmão.

 Nathan estava na viatura, olhava diretamente para o chão enquanto a mãe deles chorava e batia no vidro da janela. Um policial próximo para impedi-la de ir além disso, mas não se importava em parar o que quer que ela estivesse fazendo naquele momento. 

 As coisas que ela gritava eram só ruído. Tinham a entonação de fúria e desgosto que se esperaria se a acusação fosse verdadeira. Era esperado que ela dissesse tudo aquilo se todo o relato do padrasto deles fosse real.

 Mas não era.

 Mike ainda se lembrava do toque áspero. O aperto firme com o qual ele mantinha Hillary no lugar. A dor. O desespero. A angústia. O vazio. A desolação criando um buraco em seu peito. Tudo. Tentava não lembrar, mas lembrava. E Nathan não era responsável por nada daquilo. Nunca seria.

 Mike chorava porque não conseguia mentir que sim, como seu padrasto ordenou que fizesse. Não podia se dar ao luxo de contar a verdade. Porque quem sofreria as consequências não seria ele, apenas, mas ela também. Sua amada irmã, que se debatia com mais avidez ainda quando a mãe deles tentou abrir a porta da viatura para bater em Nathan.

 Por algo que ele não fez.

 Nunca faria.

 O policial próximo a ela a contém e o policial diante de Mike é incisivo em perguntar se a acusação era verdadeira. Mike tinha mantido a boca fechada até aquele momento. Não fizera nada além de chorar. E continuaria assim. Para proteger Hillary. Para mandar Nathan para longe dali o mais rápido possível.

 Ele ficaria seguro e talvez o tormento acabasse.

 Talvez.

 Mike não tinha certeza, mas ficou quieto. E o policial assentiu, franzindo o cenho. Bateu a mão na cabeça do menino em um carinho desleixado que fez Mike se encolher. O policial não reage, apenas vai até a viatura, onde algema a mãe deles e a leva para a traseira do veículo, uma parte mais isolada de Nathan.

 Nathan demonstrou que não é um problema. Se ofereceu para ser preso assim que a polícia anunciou o motivo da visita. Faria tudo de novo se isso significasse que Hillary e Mike estariam seguros. Ele sabia que poderia voltar a qualquer momento para lidar com eventuais problemas com o padrasto.

 Nathan tinha seus meios para tudo o que quisesse.

 Mike observou a mãe gritar que agiu em legítima defesa, mas agredir um policial ainda é uma violação grave e não foi em legítima defesa. Mike observou a viatura se distanciar, levando seu herói de infância, que não merecia aquilo, e sua mãe, que definitivamente merecia aquilo.

 Se virou, vendo o falso acusador sorrir maníacamente, apertando o braço de Hillary numa posição que, um pouco de força a mais, poderia ser perigosa. Aquele homem não era confiável, era sádico e tinha em mãos duas crianças a quem ninguém poderia proteger.

 Mike se encolheu mais quando o padrasto inclinou a cabeça na direção da casa, dizendo que ele ia ser recompensado por ficar de bico fechado. Um brilho triunfante em seu olhar enquanto arrastava as palavras para dizer que comeriam o sorvete escondido no congelador.



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