Tudo o que eu fiz foi tentar apagar minha infância. Tentei fervorosamente apagar da memória todos os berros, todas as palavras violentas. Tentei apagar do meu corpo todas as cicatrizes que meu pai causou. Tentei apagar a dor.
Meu nome é Jay Jackson, filho de Anthony Jackson, e posso afirmar que minha infância foi um inferno. Eu tinha um irmão, Andrew Jackson, que nos abandonou e fugiu quando eu tinha cinco anos. Quando ele fugiu, eu cuidei de meu pai, que sempre foi meio instável psicologicamente.
Anthony Jackson talvez tenha tido a fama de impiedoso no colegial. Se realmente tiver tido, era mais do que merecido. Meu pai era implacável. Me treinava em esgrima todos os dias, com espadas de verdade, cujas lâminas brilhavam ao sol. Tenho várias cicatrizes por causa desses treinos e dessa provável fama dele.
Andrew só apareceu quando eu tinha nove anos, escondido e foragido. Me deixou algumas cicatrizes e lembranças que me causam pesadelos.
Meu pai foi internado e fiquei na casa de uma vizinha, que não entendia meu comportamento. Depois do meu pai e do meu irmão, eu não conseguia confiar em ninguém. Não queria que ninguém me tocasse. Não queria ouvir a voz de ninguém.
Lanael Evenghard foi meu único amigo. Nos conhecíamos graças a um trabalho de geografia que fizemos juntos, mas não éramos tão próximos. Lan se aproximou ainda mais depois do incidente, me apoiando e sendo o único conforto que eu me permitia ter.
Não confiei em mais ninguém por anos, com exceção de Lanael, e passei os anos seguintes da minha vida tentando apagar, fervorosamente, todos os traços familiares que me ligassem a eles.
Tentei apagar minha ascendência. Tentei apagar quem eu era antes do incidente. Tentei apagá-los das minhas lembranças, da minha mente, das minhas veias. Pois eles deixaram cicatrizes que eu não consigo resignificar.
Se eu correr o suficiente, talvez consiga apagá-los. Se eu cerrar os olhos o suficiente, talvez consiga apagá-los. Se eu prender a respiração, talvez consiga apagá-los.
Lanael me abraça toda noite, acariciando meus cabelos com cuidado, murmurando coisas em norueguês. Eu não entendo bulhufas, mas confio nele. Surpreendentemente confio. Confio mais em Lanael do que em qualquer pessoa.
Ele é o único que não me tratou apenas como vítima frágil de algo horrível, mas como um sobrevivente de uma vida de mal-trato. Um sobrevivente forte e capaz. Não exagerava em nenhum ponto. Consegue me fazer entender o quão grave foi sem me fazer sentir menor.
Não confio em ninguém, exceto nele.
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