Refúgio - Capítulo Cinco

 



 Meu pai passou a me obrigar a sair de casa duas horas por dia pra tomar sol. Me recusei a princípio, mas não pude evitar por muito tempo. Ficava das duas até as quatro no quintal de trás, sentado numa cadeira enquanto lia um livro pra matar tempo.

 Foi num momento como esse que o vi.

 Eu estava lendo Jogos Vorazes pela primeira vez, absorto naquele universo distópico e pós-apocalíptico, quando percebi uma cabeleira loira passar pela cerca na lateral da casa. Fiquei nervoso, mas deduzi que ele estava de passagem e ignorei.


一 O Boo Radley do Condomínio Olímpio.


 Me virei na direção da voz automaticamente. Um garoto da minha idade, alto e loiro, estava apoiado na cerca, me encarando.


一 Não sabia que você saia de casa.


  Com o coração disparado e um centelha de raiva se aquecendo em meu peito, me levantei, peguei meu livro e encarei-o por dois segundos antes de começar a caminhar para dentro de casa.


一 Ei, não. Espera.


 Parei, o que eu sentia que se provaria um erro.


一 Deixa eu só tirar uma foto. Ninguém acreditaria em mim se eu contasse que vi Nico Di Angelo tomando sol.


 O pior erro de todos.

 Corri pra casa e fechei as cortinas depressa. Me entoquei em meu quarto, sentindo vontade de ligar os irrigadores quando ele passasse pelo quintal da frente, mas não fiz porque seria altamente idiota da minha parte.

 Enfiei as unhas no braço até o ardor se tornar insuportável. Peguei meu caderno mais recente e escrevi sobre o quanto odiava minha vizinhança, Percy Jackson e aquele garoto idiota. Descrevi minha raiva e suas reações em meu corpo. Descrevi como queria arranhar a cara daquele loirinho idiota até só restar sangue em minhas mãos.

 Eu vinha guardando minha raiva toda em Percy, melancólico demais para fantasiar em matá-lo. Eu o admirava quando mais novo, antes de toda a merda acontecer. De alguma forma, parecia errado. Como se fosse ofender todas as memórias boas que Bianca tinha dele.

 Descontei minha raiva acumulada nele. Quando o pior desse sentimento passou, me questionei se estava apenas exagerando ou se o que aconteceu era realmente muito ruim. Era, no fim das contas. Ele me tratou como se eu fosse a atração bizarra de um circo. E essa percepção renovou meu ódio.

 Escrevi até meu pulso doer como o inferno e guardei o caderno sob o travesseiro, para sonhar com todas as cenas que tinha descrito.



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