Nico morreu quando eu estava no quinto período da faculdade de medicina veterinária. Gatos vivem entre 13 e 20 anos, eu sei. E meu melhor amigo morreu nos seus 17. Ele suportou por bastante tempo, esteve comigo em todos os momentos e foi, com toda a certeza, a coisa mais importante da minha vida.
Perdê-lo foi insuportável.
Eu tive muito medo de perder Nico antes de ir pra faculdade. Ele já tinha entrado na idade de risco e eu tava apavorado. Foi um alívio passar e tê-lo comigo. Por dois anos, dividi um apartamento com Piper, apenas para poder ter Nico por perto. Foram dois anos tranquilos até que a morte o levou naturalmente.
Foi muito difícil. Passei várias semanas em um estado vegetativo, chorando sem parar. Eu me lembro perfeitamente de como aconteceu, mas prefiro guardar pra mim por enquanto. Prefiro ficar recordando das coisas que vivemos juntos, sobre os anos que antecederam a isso.
Me lembro perfeitamente do casamento de Frank e Leo, ao qual levei Nico como "acompanhante" e ele comeu muito peixe. Me lembro do dia em que tentamos arrumar una namorada pra ele, mas ele não demonstrou o menor interesse nem em se aproximar.
— Parece você. — Percy riu na ocasião. — Será que gatos aroace existem?
Me lembro da vez em que Piper e sua namorada, Shel, chegaram em casa no meio da minha sessão de estudos para um simulado que ia ter. Elas trouxeram uma gata um pouco mais nova que Nico, chamada Reyna, que ninguém queria adotar por causa da idade.
Nico estava brincando de empurrar minhas canetas para perto da borda da mesa quando Pipes entrou no quarto, segurando Reyna. Minha amiga pôs a gata no chão e Nico saltou da mesa, ficando diante dela. Os dois se avaliaram, morderam as orelhas um do outro e ficaram de boa. Pareciam não querer gastar muita energia.
Eu e Piper estudávamos de tarde e trabalhávamos de manhã. Eu passava toda a noite, o período que Shel trabalhava, com os gatos. Às vezes Pipes cuidava deles, mas quase sempre era eu. Eles eram uma duplinha rabugenta e carinhosa que eu amava com toda minha alma.
Só que, um dia, tudo mudou.
Era um dia frio do lado de fora. Eu estava de folga. Sentado no sofá, eu assistia a Divergente, meu filme favorito. Nico veio até mim, choramingando. Deitou no meu colo, a cabeça perto da minha mão. Fiquei preocupado e peguei o celular. Pra, sei lá, falar com alguém, pedir ajuda, chamar o Samu?
Nico miou, me impedindo. Encarei-o e foi como olhar em seus olhos pela primeira vez. Um sentimento estranho tomou conta de mim, um sentimento de que eu sabia. Ele também sabia. Meus olhos se encheram de lágrimas. Fiz carinho em sua cabeça, ainda olhando pra ele. Ele permaneceu firme, me olhando de volta.
— Eu te amo, Nico. — Quase solucei. — Amo tanto que nunca precisei de mais nada. Você é a única coisa que faz sentido existir, que me deu sentido e que faz sentido amar. E... eu sei... que você sente o mesmo.
Os olhos dele estão começando a vacilar, a ficar distantes. Beijei sua cabeça felina uma última vez, me debulhando em lágrimas.
— Eu só queria que tivéssemos mais tempo. Mas obrigado. Por ser meu melhor amigo. Por ter você aqui. Por não desistir. Eu amo você.
Nico sorriu pra mim uma última vez, os olhinhos escuros brilhando antes de se fecharem. Sua respiração foi diminuindo de ritmo até não existir mais. Continuo acariciando sua cabeça, chorando desoladamente. Fiquei assim por horas até que Shel me encontrou.
Reyna passou semanas em profunda tristeza junto de mim. De noite, ela miava até que eu abrisse a porta do quarto. Quando eu abria, ela esperava eu estar na cama pra se aconchegar perto do meu rosto e lamber minhas lágrimas. Foi assim por muito tempo. Até hoje eu choro, ás vezes.
Cremei Nico e guardo suas cinzas dentro de um pingente de coração que uso sempre. Ou usava. Um dia a corda arrebentou e por pouco não perdi o pingente. Agora guardo-o dentro de uma caixinha de veludo escrito "Nico" na tampa.
Reyna se foi, três anos mais tarde, nos braços de Piper após dar uma última lambida no meu rosto. Precisei de seis meses de terapia. Me formei em veterinária, comecei a trabalhar em uma clínica e é isso o que estou fazendo desde então. Visito meus pais de vez em quando, vou a paradas LGBT com meus amigos e trabalho como veterinário voluntário em um abrigo.
Escrevo essas palavras como recordação porque eu não vou ter filhos, não tenho irmãos e não quero que o que vivi com Nico seja esquecido.
Não estou escrevendo isso porque contraí uma doença terminal e vou morrer. Eu... apenas quero deixar essa parte da minha vida como herança. Quero que Frank saiba como eu era, como o enxergava e por que ele era meu segundo melhor amigo nessa vida.
Se eu morrer amanhã, na semana que vem ou até mesmo agora, não vou ter nenhum arrependimento em relação a nada.
Quero que saibam que eu os amei. Todos aqueles que importaram. Eu os amei em cada segundo da minha vida. Eu os amarei para sempre. Espero que eles saibam.
Adeus.
Comentários
Postar um comentário