15 Coisas que eu amo em você -- 4º: Altura




 Querido Nico,


 Eu sei que você odeia que falem da sua altura porque usam isso pra te menosprezar e te julgar inferior, mas eu jamais faria isso, juro. Você medir 1.65 não é um defeito, nem de longe. Eu realmente acho esse "pequeno" fator fofíssimo demais. Eu não resisto. Ás vezes, é até engraçado porque lado a lado você parece um gnomo e eu, um gigante. Essa diferença de alturas entre nós me faz sorrir bobo de vez em quando.

 Eu poderia te carregar no colo ou na cacunda sem o menor esforço. Parando para pensar bem, eu realmente adoraria fazer isso. Te carregar por aí nas costas seria legal. É algo que eu me pego pensando em fazer, mas logo tento me desiludir dessa ideia, dizendo a mim mesmo que você não apreciaria isso.

 Honestamente, eu deveria tentar ao invés de ficar colocando barreiras de inseguranças entre mim e minhas vontades. Eu deveria tentar em vez de fazer suposições sobre o que você gostaria ou deixaria de gostar. Como Rach me disse uma vez: a vida é curta demais para vivê-la com medo. Sábia Rachel, muito sábia.



☀               ✲           ☀



 Avançando alguns dias no tempo.

 Na verdade, avançando uma semana depois de eu ter escrito os parágrafos acima.

 Eu, você e Leo estávamos descendo a rua depois das aulas do dia terem acabado, conversando animadamente sobre a possibilidade de uma festa do pijama algum dia desses. Descendo a rua, nos dirigimos a uma vendinha que estava vendendo picolés. Naquele calor de 35º, caía muito bem, mas a rua era longa e demoraríamos muito.


一 Argh! 一 Você resmungou, como sempre fazia. 一 Vai demorar séculos pra chegarmos lá. 


 Leo sorriu, travesso. Ele imitou alguns passos de sapateado, o que levou nossa atenção aos pés dele. Ele usava os all-star vinho que você tinha lhe emprestado para um experimento surpresa. O garoto sorriu mais largo, bateu um dos tênis suavemente no outro e rodinhas como de patins roller derby surgiram embaixo das solas dos tênis. Leo fez uma saudação como se fosse um soldado se despedindo e se preparou:


Hasta luego! 


 E foi-se rua abaixo, gritando em felicidade enquanto descia mais rápido do que qualquer skatista num raio de novecentos metros.

 Você e eu trocamos olhares, impressionados. Depois que a surpresa do momento passou e ouvimos o grito de Valdez ao longe, comecei a rir e o amor da minha vidinha inteira (você) parecia absolutamente indignado.


一 Então foi pra isso que ele pediu meus tênis favoritos... 一 Refletiu, como se ainda não acreditasse.


 Comecei a me dobrar de tanto rir e respirei fundo para me acalmar. Fiz um carinho suave nos seus cabelos, te consolando e me veio a mente a ideia de carregá-lo. Bem... O que me impedia? Andei dois passos, me pondo a sua frente, e me ajoelhei.


一 Sobe. 一 Eu disse, preparado.


一 O... O quê?


一 Sobe nas minhas costas.


 Você não respondeu de imediato e eu quase podia ver sua expressão de puro choque e confusão.


一 O que você vai fazer, Solace?


一 Te carregar até a vendinha, uai. 一 Retruquei, segurando o riso e falhando. 一 Suas pernas são curtas e eu ando mais rápido. Você vai se cansar menos se eu te carregar. Vamos logo, Neecks.


 Te ouvi bufar, dando-se por vencido e escutei seus passos enquanto vinha até mim. Senti seu peso em minhas costas, seus braços passando pelos meus ombros e suas pernas se enrolando em meu quadril. Me ergui sem dificuldades, te carregando.

 Comecei a simplesmente andar, sentindo meu coração prestes a explodir de felicidade. Eu finalmente tinha realizado uma das minhas maiores vontades. Estava simplesmente radiante enquanto andava, seus braços ao redor dos meus ombros. Seu queixo se aninhou no meu cabelo e segurei firmemente embaixo de seus joelhos.

 Juro que, por um momento, parecia que você estava se divertindo. Eu explodiria o sistema solar se pudesse saber o que você estava pensando naquele exato segundo, mas contive minha curiosidade e apenas curti a concretização dessa fantasia.

 A medida que nos aproximávamos do fim da rua, pude ver Leo conversando com a senhora da vendinha, lambendo calmamente o picolé que comprou pra ele. Foi uma pena ter que te descer das minhas costas porque eu poderia te carregar pra sempre, mas estava ficando cada vez mais calor, então não reclamei.

 Compramos nossos picolés e jogamos conversa fora por mais uns minutinhos antes de decidirmos ir embora.


一 Por que a gente não vai naquela pracinha? 一 Sugeriu Leo.


一 Perto do mercado?


一 Isso! A gente senta nos bancos que ficam debaixo da sombra e fica matando tempo sentado ao invés de ficar em pé aqui.


 Concordei porque eu já tava considerando sentar no chão. No caminho até a pracinha indicada pelo Valdez, eu tava meio borocoxô por não poder carregar Nico outra vez. Seria estranho se eu sugerisse isso e eu não queria que meus sentimentos ficassem muito na cara. Eu tenho esperanças de ser correspondido? Claro, mas acho que já sofri demais por demonstrar isso. Se for pra algo rolar, não tá completamente em minhas mãos.

 Quando nos sentamos, percebi que você me observava. Seus fios negros caíam um pouco ao redor do rosto, emoldurando sua expressão analítica. Eu poderia desenhá-lo e compor um milhão de poesias sobre cada detalhe de seu semblante.


一 O que foi? 一 Pergunto, não entendendo o porquê desse tipo de atenção.


一 Você tá meio cabisbaixo. Tá tudo bem?


 Direto. Sempre na mosca, nenhuma brecha pra mudar de assunto. Ainda bem que eu sou eloquente, moreninho. Tenho sempre uma desculpa na ponta da língua.


一 Tô só pensando num trabalho de inglês que eu tenho que entregar na terça que vem. 20 páginas mínimas sobre o Canadá não é mole...


 Leo resmunga alto, como uma criança fazendo drama, quando me ouve falar desse trabalho.


一 Nem me fale. O Nico ainda não recebeu esse trabalho. Você tem que escolher um país que fala majoritariamente inglês ou que tenha sido colônia inglesa pra pesquisar TU-DO quanto for aspecto sobre. História do país, geografia, cultura, culinária, principais leis, feriados nacionais, tradições, pontos turísticos e o cacete todo.


 Vou me poupar de transcrever toda a explicação sobre esse bendito trabalho porque ninguém merece, mas sabe o melhor? Vale 70% da nota de inglês nesse semestre. Como eu odeio ser um estudante. Eu amo estudar e aprender, mas o que a escola faz com a gente é estudo forçado.


一 Que merda, hein... 一 Você resmunga em solidariedade.


 Nico, eu tenho muitas dúvidas. Tipo... Algumas vezes eu percebo algo estranho no seu comportamento para comigo, como se você estivesse fugindo ou evitando dizer certas coisas. Se tem alguma coisa que você quer me contar, apenas diga. Bem... eu nunca vou enviar essas cartas, então pedir isso é totalmente em vão.

 É, eu estou sendo apenas muito estúpido escrevendo isso. Vou apagar? Não. Falta-me motivação pra fazer muitas coisas nessa vida e apagar súplicas é apenas um dos itens dessa infinita lista. Quem sabe desejar ávidamente tenha algum efeito? Se bem que... Esquece.

 Acho melhor eu terminar essa carta logo. A cada linha que escrevo, estou me perdendo.

 De qualquer forma, você, seu marrento teimoso, não pareceu acreditar que meu desânimo estava diretamente relacionado a esse bendito trabalho de inglês. Não te culpo, sendo bem honesto. Existem poucas desculpas mais esfarrapadas do que colocar culpa em trabalho escolar. Mas você não comentou nada sobre isso e o resto do dia foi tranquilo.

 Espero que um dia eu consiga me declarar, sabe. Te dizer como eu sinto de verdade. Se bem que poderia mais te assustar do que qualquer coisa. Eu sou uma pessoa muito complicada, como Annie já disse uma vez. Talvez eu não valha a pena, afinal.

 Enfim...


Com todo o amor do mundo,

Will Solace



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