Descanse o coração - Capítulo Um


7 de julho de 2010



 Eu estava comparecendo a uma das festa de aniversário de Leo pela primeira vez no dia que conheci Will Solace, um garoto tão quebrado quanto eu.

 Leo Valdez é o meu melhor amigo da vida. Compartilhamos dos meus neurônios, da mesma altura, do mesmo gosto musical pop rock e da mesma atração por loiros inteligentes prestes a ter um colapso mental. Honestamente, ele é como um irmão pra mim.

 Will Solace é vizinho de Leo, mas eu nunca o tinha visto antes, ou talvez eu nunca tenha reparado nele até aquele momento. Loiro, cacheado, olhos azuis, pele bronzeada e incrivelmente alto para a idade. Descobri que meu melhor amigo tinha Will como seu segundo melhor amigo depois de mim, mas nunca tinha comentado sobre antes da festa.

 Acho que minha vida se dividiu entre Antes da Festa do Leo e Depois da Festa do Leo. Não consigo parar de ver os fatos dessa maneira, me localizando no tempo como se Will Solace fosse o meu Antes de Cristo e meu Depois de Cristo. Se Will é um deus, eu sou o único adorador dessa divindade incrível.

 Deu pra notar que talvez, bem talvez, eu tenha me apaixonado por ele?

 Bem, eu espero que não esteja soando como um maníaco falando da minha paixão avassaladora por ele. Eu não quero parecer um doido mais varrido do que eu já sou.

 A questão é... Will Solace é um garoto lindo, inteligentíssimo e super ansioso. Ele também está de coração partido. Por uma garota. Uma ex-namorada, pra ser mais específico. Ele está deprimido, pra baixo, precisando de uma pausa no amor. E cá estou eu, apaixonado por ele, sendo a âncora que ele precisa nesse momento.

 Somos amigos desde a festa de aniversário de Leo, onde conversamos e ele desabafou. Foi difícil ouvir um fora tão educado e discreto de um cara tão bonito como ele, mas faz parte da minha vida tomar no cu, de qualquer maneira.

 Bem, acho que vou narrar como eu o conheci de forma mais apropriada. Eu me lembro vividamente desse dia, então posso oferecer-lhe todos os detalhes possíveis.

 Era dia sete de julho de 2010. Leo estava completando seus dezesseis anos e me convidou para uma festinha que ia fazer. Apenas amigos e família, o que é uma quantia considerável. Vesti uma calça jeans preta, camiseta do Pink Floyd, meu all-star roxo e minhas luvas meio dedo com desenho de caveira. 

 Leo mora umas duas ruas abaixo da minha. Não é muito longe, por isso fui andando mesmo. Eu levava o presente na mão, um box enorme de mangás cuidadosamente embalados. Fullmetal Alchemist, todos os 27 volumes. Leo vivia falando deles há eras, então achei apropriado dar esse presente ao meu melhor amigo.

 Bati à porta da residência, o peso dos volumes pesando em meus braços. Charles, irmão mais velho de Leo, abriu a porta e prontamente me ajudou.


一 Céus, Nico! Esse é o seu presente? 一 Exclamou ele. 一 Isso tá pesando bem uns 20 quilos! Você carregou isso da sua casa até aqui?


一 Er... 一 Cocei a nuca. 一 Talvez?


一 Eu bateria palmas se minhas mãos não estivessem ocupadas. 一 Charles riu. 一 O que tem aqui?


一 Surpresa, Beckendorf.


一 Poxa... Leo tá na sala.


 Assenti e fui até lá. O aniversariante encontrava-se no sofá, conversando animadamente com Will. Fiquei levemente hipnotizado pela beleza do rapaz. Usava uma camiseta branca, um casaco de flanela verde, calça jeans clara e all-star amarelo. Cachos definidos, sorriso fácil e uma voz... Ah, que voz. Céus, eu me afogaria no timbre da voz dele.

 Meu estado de transe deve ter durado um tempo considerável porque fui notado pelo Valdez em questão. Ele olhou de mim ao loiro algumas vezes, uma das sobrancelhas arqueadas. Will contava uma piada e não notou o que rolava. Corei, torcendo para que ele não percebesse.


一 Neecks, você finalmente chegou! 一 Leo anunciou minha presença e sorri amarelo, me aproximando deles.


 Eu me sentia observado enquanto o latino se levantava e me abraçava apertado contra a minha vontade porque nunca fui muito de abraços. Cedi. É aniversário dele, afinal. Se me abraçar o faz um pouco mais feliz nesse dia especial, quem sou eu para negar-lhe isso?

 O pensamento de que talvez Will estivesse me avaliando parecia um pouco assustador. Minha pele parecia coçar diante de seu olhar. Desejei o impossível, como desaparecer ou ser constrangedoramente bonito demais para encarar.

 Veja bem, considero-me atraente de um jeito esquisito. Por quê? Eu sou esquisito e sou atraente do meu jeito. Um jeito quase anormal, talvez. Honestamente, não confio muito na opinião de quem já me chamou de bonito. São pessoas questionáveis, tipo o Leo, que é ainda mais esquisito do que eu. E o Percy, que é um idiota irrecuperável. E a Hazel, que é minha irmã. E a Reyna, que é arromântica e assexual, então eu não levo em conta. 

 Bem, esse garoto...

 Will é simplesmente o garoto mais apocalípticamente deslumbrante que eu já vi na vida.


一 Nico, esse é Will, meu segundo melhor amigo. 一 Apresentou Leo, o que me trouxe a realidade como um brusco e forte tapa na cara. 一 Eu sei que nunca comentei nada, mas o assunto nunca surgiu. Enfim... A gente é amigo desde os quatro ou cinco anos, mais ou menos.


 O loiro parecia não saber se estava confuso ou irritado. Segundo melhor amigo? Nunca surgiu o assunto? Que tipo de desculpinhas eram aquelas?


一 Will, este é Nico, meu primeiríssimo melhor amigo. 一 O Valdez tinha a audácia de sorrir como se aquilo fosse incrível. 一 A gente é amigo desde o primeiro ano da escola. E não, você não pode me julgar por você ser meu segundo melhor amigo. Lembrando: seu primeiro melhor amigo é o Jason, não eu.


 Will analisou o que Leo disse, como se analisasse a lógica por trás. Por fim, deu de ombros e fez uma expressão de "faz sentido".


一 Touché.


 Olhei para seu melhor amigo como se fosse a primeira vez na vida. Não se sentia exatamente traído, mas era quase o mesmo sentimento. Por anos a fio, Leo sabia meu tipo de cara. Por anos a fio, nós compartilhamos tudo um com o outro. Por anos a fio, Leo tinha um segundo melhor amigo que era o cara perfeito pra mim e não tinha contado nada sobre ele.

 Não podia julgá-lo, mas já julgava. Até mesmo Jason, o namorado de Leo e meu segundo melhor amigo/irmão, sabia. Então... Por quê? Não conseguia entender e raiva começava a inflamar em meu peito, mas me contive.

 Este era o dia especial de Leo. Eu não ia estragar tudo dando um chilique por causa de um rapaz absurdamente atraente e totalmente meu tipo que apareceu sendo o segundo melhor amigo da pessoa com quem eu sempre senti que podia contar pra tudo. Não sabia o que pensar em relação a isso, mas eu não ia pensar nada até que o dia tivesse acabado e Leo tivesse aproveitado seu aniversário na mais plena paz e felicidade.


一 Onde está meu presente? 一 Perguntou o latino, mudando o foco.


一 Charles levou pra mesa de presentes. 


一 É grande?


一 Só vendo pra descobrir.


 Leo correu até onde achava que encontraria o irmão, parecendo uma criança que comeu açúcar demais. Estava muito empolgado com as possibilidades, já que sua lista de sugestões tinha sido particularmente longa naquele ano. Observei-o ir enquanto Will se levantava e vinha em minha direção.


一 Will Solace. 一 Disse, estendendo a mão e surpreendendo-me. 一 Casa amarelo com telhado azul, no fim da rua.


 Arregalei os olhos, me lembrando da casa que mais se destacava enquanto eu passava pela rua.


一 Mentira! A 707?


一 Essa mesma. 一 Respondeu com um sorriso.


 Apertei a mão dele, sentindo a palma do loiro quente e macia contra a minha.


一 Nico Di Angelo. 一 Disse de volta. 一 Casa roxa com cerca preta. Duas ruas acima.


一 Perto do Atacadão? Com cortinas púrpura?


一 Exatamente essa. 一 Franzi o cenho. 一 Você estuda onde?


一 Em casa. Minha avó me dá aulas em casa. Fico 24 horas por dia, sete dias da semana, em casa. Eu beiro ao antissocial, lendo o dia todo e me ocupando com hobbies.


一 Por isso eu nunca te vi...


一 Por isso você nunca me viu. 一 Concorda, ainda sorrindo. Céus, ele é lindo de um jeito quase perturbador. Não parece real. Eu sou real? Estou sonhando? 一 Ás vezes eu saio e leio no quintal. Por que eu nunca te vi?


一 Geralmente eu só saio com Leo e pra lugares específicos. Você beira ao antissocial, mas eu sou a encarnação desse conceito. 一 Rio, pensando na vez que Leo disse isso. Surpreendentemente, Will ri também. 一 Fico muito na minha. Sou uma pessoa simples, de prazeres simples que não envolvem andar quilômetros em um shopping pra me divertir.


 Antes que eu me dê conta, Will está sorrindo como se fosse gargalhar das minhas piadinhas a qualquer momento. Eu não sou o engraçado do grupo, então essa reação me pega de surpresa. Sinto meu rosto corar, incapaz de impedir o rubor que cobre minhas bochechas.

 Os olhos de Will se fixam nos meus, azul cheio de dor e ternura. Dor de um coração partido querendo dar sinal de vida. Ternura por algo que ele está a admirar. Acho que vou desmontar em mil pedaços diante desse olhar intenso e sorriso encantador. Por que ele tem que ser tão o meu tipo?


一 Você é muito legal, Nico. 一 Diz, pronunciando meu nome como se essa palavrinha de quatro letras fosse a chave de um universo que ele até então desconhecia. 一 Não sei por que Leo nunca me falou de você, mas sinto que vamos nos dar bem.


 Também sinto. Bem no fundo da minha alma. Seus dedos estão próximos dos meus, um contato quase experimental, mas é acidental. Se ele quisesse, já teria pego minha mão.


一 Com certeza, Will. 一 Respondo, a voz um pouco baixa ao dizer seu nome, saboreando as quatro letras que o compõe. 一 Vamos nos dar muito bem.



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