Aviso: Gatilhos, depressão, sangue, brigas acaloradas, xingamentos, morte, acidentes e luto. Caso não goste ou não consiga suportar esse tipo de coisa, não arrisque e não leia. Obrigada! Boa leitura aos que preferem continuar!
Mike e Sean estavam brigando por algo fazia alguns minutos. Há meses vinham discutindo sobre coisas bobas e meio fúteis. Há semanas as coisas tinham piorado e todas as brigas se tornaram ainda mais intensas do que antes. Chegou a um ponto que tudo o que o casal sabia fazer era discutir e discutir.
Permita-me descrever o casal. Mike tem cabelos negros, pele pálida e olhos azuis escuros, da cor do céu noturno durante uma aurora boreal. Sempre se veste com roupas escuras e já sofreu com depressão e disforia. Sean tem os cabelos também negros, embora mais acinzentados. Seus olhos são de um cinza-esverdeado e ele é um pouco bronzeado. Curte praia e o mar. O típico surfista com seu namorado emo.
Eles estavam brigando de novo, pra variar. Gritavam um com o outro, passando por todos os cômodos da casa. O motivo daquilo? Nem se lembravam. Era algo besta no começo, mas Sean decidiu provocar e as coisas foram ficando cada vez mais pessoais. Agora, tinha chegado ao Caso Lia, que envolvia a irmã de Mike.
Seguinte: Lia tinha implorado ao irmão que desse para ela parte da sua herança, para que ela pudesse pagar pela faculdade que estava fazendo e o outro negou, um direito seu. Precisava do dinheiro naquela época para seu tratamento psiquiátrico. Nesse mesmo período, o garoto tinha tentado se matar. Não era justo a irmã, sabendo disso, vir pedir parte de algo que ela já tinha seu pedaço. Ela iria conseguir grana de outra forma.
Agora, anos depois disso, quando tudo estava resolvido, Sean resolveu jogar na sua cara? Do que ia adiantar?
一 E a Lia?
一 Lá vem 一 Resmungou ele, pressionando as têmporas 一 Não comece com isso, por favor.
一 Por que? 一 Provocou 一 Se eu te pedisse a mesma coisa, você negaria?
一 Era o meu direito, Sean...
一 Sorte a dela ter conseguido se formar sem sua ajuda.
一 Sean...
一 O que seria dela se não tivesse alcançado esse diploma, hein?
一 Sean, para...
一 Ela estaria deprimida? Adotaria dois gatos, que se reproduziriam e ela doaria pra sempre os filhotes? Ela se tornaria a velha dos gatos por sua causa?
一 Para...
一 Ela teria conseguido um bom emprego mesmo depois da derrota?
一 S.Sean...
一 Ou ela estaria com vergonha demais dessa humilhação pra seguir em frente?
一 Sean! Para!
Ele finalmente se calou. O corpo de Mike tremia, lágrimas grossas em seus olhos anis. Os punhos cerrados, mas ele estava muito mal ter vontade de socar alguma coisa. Ao invés disso, só queria um abraço, mas a pessoa a sua frente não faria isso. Era exatamente a pessoa que mais amava que estava jogando tudo aquilo na sua cara, lhe machucando com possibilidades já inexistentes.
一 Só para...
Seu queixo tremia muito, quase não conseguindo falar. Com toda a sua força, segurou as lágrimas. Sempre foi muito teimoso pra simplesmente chorar dessa maneira e se mostrar tão fraco e frágil, como realmente é. Não podia... Não conseguia...
Sean retesou o maxilar, rangendo os dentes. A adrenalina ainda corria por suas veias. A raiva o consumindo. Só ficou quieto por pouco tempo. Precisava descarregar aquela ira em algo. Não podia bater em Mike, não queria machucá-lo naquele ponto. São apenas palavras, pensou. Ele vai me perdoar.
一 Você não ajudou sua própria irmã 一 Continuou.
O moreno menor parecia incrédulo.
一 Se você saísse dessa sua nuvem de ressentimento uma vez na vida, teria aprendido a olhar além do próprio umbigo. Todos temos problemas, tá legal? Então pare de ser tão egoísta!
Os olhos marejados do outro se arregalaram.
一 Egoísta?
"Todos temos problemas". Você acha que é tão fácil assim? Ter depressão durante anos? Viver tentando alcançar as expectativas que todos tinham sobre você? Ser zoado por não ter conseguido o que os outros queriam que você fosse? Um pai que não se importa com isso e com mais nada além dos filhos que dão orgulho pra ele e você não estar incluído nisso? Viver com medo de ser quem você quer ser? Isso é fácil pra você? Minha vida toda é ressentimento e sofrimento! Você, mais do que ninguém, deveria saber isso!!!
Mas Mike não disse isso. Apenas começou a balançar a cabeça devagar, sem acreditar. Deu um, dois, três passos para trás, lentamente se afastando do namorado. Lágrimas tímidas desceram de seus olhos e caíram da ponta de seu queixo. No que esse relacionamento tinha se transformado?
O moreno menor enxugou a água que caía de seus olhos com veemência e pegou as chaves em cima de uma mesinha. Só precisou dar meia volta, abrir a porta do apartamento e sair apressadamente até o elevador. Sean não tentou detê-lo.
Passou as mãos pelos cabelos, os puxando para trás, e soltou um suspiro exasperado. Deu um passo atrás e encostou em uma das bancadas, deixando seu corpo escorregar até se sentar no chão de azulejos brancos. A raiva tinha passado, pelo menos boa parte dela, mas não conseguia nem pensar em se levantar.
Enquanto isso, Mike apertou furiosamente o botão do térreo e esperou as portas se fecharem. Outras lágrimas insistiam em cair, mas ele as secou com força. Não queria chorar, mas seu corpo não obedecia sua consciência e sim ao coração, que estava se estilhaçando de tristeza aos poucos, tornando tudo mais doloroso.
Já na frente do prédio de apartamentos, clicou no botão para desbloquear o carro e ele apitou, dando o ar da graça no estacionamento da frente. Foi só abrir a porta do banco do motorista, fechar a porta e sair dali o mais rápido que conseguiria.
Depois de se ver longe do estacionamento, foi só seguir a avenida principal pouco movimentada. Mike não conseguia prestar atenção nas coisas. Os argumentos de Sean ecoavam pela sua mente, lhe causando uma angustia avassaladora. Lia tinha conseguido um trabalho de meio período e se formou por mérito próprio. Tinha até se desculpado com o irmão e tudo ficou bem.
A chuva continuava caindo, uma garoa fraca que antes tinha sido uma forte tempestade. Os limpadores de para-brisa faziam o melhor que podiam contra a água, mas o chuvisco continuava embaçando os vidros. De certa forma, isso não importava mais.
Mike se sentia morto por dentro. A dor se alastrando pelo seu corpo, como veneno o corroendo de dentro pra fora, a partir do coração. Sua mente estava muito ocupada, tentando encontrar maneiras de fazer aquilo diminuir, mas era inútil. Sua visão começava a ficar turva por causa das novas lágrimas que se formavam em seus olhos.
Ele olhou pelo vidro retrovisor o banco traseiro. Lá, uma cadeirinha de bebê. Mais memórias dolorosas lhe vieram. Sean e Mike namoravam fazia muitos anos e tinham tentado ter filhos. Quando achavam que tinham conseguido, a criança morreu antes de nascer, deixando várias lembranças do quanto aquilo poderia ter sido bom. Eles poderiam ter sido uma família.
Aos poucos, a amargura foi contagiando o casal e eles foram tendo cada vez mais discussões, até chegar onde estamos agora: Um garoto de 23 anos, evitando chorar enquanto dirige para qualquer lugar longe o bastante de onde morava.
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