15 Coisas que eu amo em você -- 2º: Olhar

 



 Querido, Nico


 Me aproximei de você hoje, na hora do intervalo. Todo mundo estava na cantina. Eu peguei minha comida e busquei você com os olhos pelo salão. Te avistei em uma mesa, sozinho, comendo um sanduíche que não identifiquei do que era. Você ainda usava meu moletom, como se fosse sua peça de roupa favorita. Não me viu.

 Suspirei, tomando coragem, e andei em sua direção. Nem quando eu estava a meio metro de distância você me notou. Considerei dar meia volta e ir embora, mas repreendi a mim mesmo pelo pessimismo e continuei minha caminhada silenciosa.

 Quando repousei minha bandeja sobre a mesa, você ergueu os olhos pra mim.

 Devo dizer a segunda coisa que eu amo em você é: Olhar. O olhar. Penetrante, inexpressível, profundo, vazio...

 Dizem que os olhos são a janela da alma, mas reluto em acreditar que a sua seja tão fria. Sempre que te observo, sinto um calor no peito. E quando você retribui, coisa que não acontece com frequência, eu sinto que posso pegar sua mão e voar. Voar para bem longe do que nos aflige. Para longe de tudo.

 Suas íris negras me analisaram friamente e eu não conseguia dizer o que você estava sentindo naquele momento. Constrangido, me sentei na sua frente e desejei-lhe bom dia, mesmo que fosse três da tarde. Você não me impediu. Apenas ficou me observando enquanto eu comia. Na verdade, eu me senti uma refeição. Você praticamente me comia com os olhos.

 Corei e ofereci uma das minhas batatinhas fritas, mas você negou, dizendo que não queria. O silêncio se fez presente durante todo o tempo em que comemos. Eu estava constrangido demais para puxar algum assunto e você estava muito absorto me fitando. Nunca me senti tão observado na minha vida, juro pra você.

 O sinal tocou, mas pouco me importei. A próxima aula seria de biologia e eu simplesmente não queria participar. Senti seus olhos nas minhas costas enquanto me dirigia para fora da cantina. Sua mão fria repousou no meu bíceps. Tive quase certeza que explodiria com o seu toque. Esperei que acontecesse, mas nada. Olhei para o garoto tímido do meu lado, aguardando que dissesse algo.


一 Posso te acompanhar? 一 Perguntou-me com timidez.


 Sorri calorosamente para você. Peguei sua mão na minha, uma coragem inesperada me invadindo e guiando meus movimentos.


一 Claro!


 Conduzi você pelos corredores, me sentindo leve e capaz de qualquer coisa. Você me seguiu pacientemente, sem saber para onde eu te levava. Não pude evitar de perceber que você confia em mim o suficiente para se deixar ser arrastado por aí, sem ter medo de onde eu poderia te levar. Você confia em mim o bastante para apenas seguir o fluxo.

 Sorri ainda mais largo ao me dar conta de que você queria passar um tempo comigo e não se preocupara com o local, nem como poderíamos passar esse tempo. Além do mais, sua mão era tão quentinha contra a minha.

 Andamos mais alguns passos, subimos dois lances de escada e cruzamos um corredor até chegarmos na sala de música. Senti suas sobrancelhas arquearem em compreensão e você diminuiu o ritmo, mas não se soltou de mim. Nem fez menção disso.

 Eu que tive que soltar a sua. Enquanto você se sentava, eu pegava um violão que tinha jogado em um canto, completamente esquecido. Experimentei passar o dedo pelas cordas. A afinação não estava boa e tive que ajeitá-la sob seu olhar atento.

 Mexi nas tarraxas e toquei outra vez. Bem melhor. Fiz um acorde de quadrilha e você riu ao perceber que eu estava fazendo graça. Ri também e toquei uma nota mais suave. Você me encarava com tanta expectativa que foi difícil não corar.


一 Toca uma música pra mim? Por favor? 一 Você me pediu, docemente.


 Ri da sua carinha, mais especificamente do bico que você fazia com os lábios.


一 Já vou avisando que sou muito desafinado.


 Você fez que não com a cabeça, um sorriso no rosto, mostrando que não se incomodava com isso, e fez um sinal com a mão para que eu prosseguisse. Toquei os primeiros acordes de uma canção que tinha escrito, hesitante. Com o tempo, fui pegando coragem e, com um fiapo de voz, comecei a cantar as frases rimáticas que tinha composto.

 Em determinado momento, fechei os olhos para sentir melhor a melodia. Eu ainda sentia seus olhos me secando, mas estava constrangido demais para parar e brincar com isso, apenas continuei tocando. Meus dedos deslizaram pelas cordas com tanta naturalidade que eu parecia ter nascido para aquilo.

 A música falava sobre sentimentos não correspondidos, amar incondicional e a sensação de estar flutuando. Torci para que você não se sentisse atingido pela letra que eu murmurava em voz baixa, porque poderia vir a ser problemático se tu me perguntar o significado ou o que eu quero dizer exatamente com isso.

 Quando a música se encerrou, encarei-lhe e contemplei seus olhos brilhando de encantamento e admiração. Parecia um céu negro pontilhado por estrelas. Era tão adorável. E eu tinha causado isso. Eu causei essa reação em você. Deuses...


一 E aí? O que achou?


 Mas eu não precisei que palavras fossem pronunciadas para saber o que você tinha pensado sobre isso e nem quais emoções a música tinha lhe fermentado.


一 Isso é incrível! Você que escreveu?


 Assenti, um pouco sem jeito e levemente lisonjeado por sua reação. Sua mão repousou sobre a minha com delicadeza, seus olhos presos aos meus. 


一 Você é um compositor incrível, Will.


一 Obrigado.


一 De nada por falar o óbvio.


 Ri levemente, guardando o violão no canto onde eu o encontrara antes. Começamos a conversar um pouco sobre música, falando um pouco sobre minhas inspirações, dizendo a ele que eu tirava de livros e séries porque se não precisaria inventar uma paixão que não existe para ocultar que, na verdade, as músicas se tratam de meus sentimentos por ele.

 Mal eu sabia que nosso relacionamento jamais seria o mesmo.



☀               ✲           ☀



 Leo juntou-se a mim e a Nico na mesa, olhando-nos com certa desconfiança. Os morenos se encararam, conversando atrás de olhares que não identifiquei. Pela visão periférica, pude perceber Rachel cochichando com Annabeth. Rach e Annie são minhas amigas há anos, mas faz, pelo menos, uns oito meses que estão se distanciando, ao ponto de que quase não nos damos "oi" nos corredores. É frustrante e emocionalmente exaustivo perder amigos.

 Sempre tínhamos sido próximos. Percy era muito amigo meu, mas ficou popular aos quatorze anos e nunca mais olhou pra mim do mesmo jeito. Annie se tornou sua namorada depois de muito esforço para chamar a atenção dele. Desconfortável com a situação, ela tentou convencê-lo a não se afastar, porém... Funcionou? Obviamente não.

 Minha vida social entrou em declínio total depois dos meus treze anos. Comecei a ficar mais focado nos estudos e nos meus poucos interesses. Meus pais se divorciaram quando eu tinha quatorze anos, o que tornou tudo pior pra mim. Me fechei pras pessoas, me cercando apenas das pessoas que eu mais gostava e de meus hobbies prediletos.

 Acho que sobrecarreguei Annie e Rachel nessa história. Não era muito fácil lidar comigo na fase pós-divórcio e eu peguei a mania de falar muito pouco sobre meus sentimentos. Na minha cabecinha perturbada, se nem meus pais se preocupavam, quem iria?


一 Então você é o Will Solace. 一 Diz Leo, me tirando de meus devaneios.


 Desviei o olhar de Rach e olhei para o garoto latino.


一 Sim, sou eu.


 Ele estendeu a mão.


一 Meu nome é Leo Valdez, mas pode me chamar de Bad Boy Supreme, que dá no mesmo.


 Então você revirou os olhos, reprimindo um riso. Seu olhar era caloroso, amigável. Naquele momento, percebi que Leo era seu porto seguro nos momentos mais difíceis, como Annabeth e Rachel foram pra mim só que multiplicado por mil.


一 Para de tentar, Leo. Esse apelido nunca vai colar.


 Valdez deu de ombros, como se não quisesse se render.


一 E quem disse que não?


一 É muito cringe, cara.


一 E daí? Uma hora pega. Man, tem que parar de ser pessimista.


 O olhar do latino caiu sobre mim, que sorria ao observá-los.


一 Vê só como ele é? Precisa incentivar os melhores amigos, man.


 Você só deu de ombros e me olhou de lado, segurando um sorriso. Seus olhos não estavam frios ou inexpressíveis. E você tem um olhar extraordinário. Tudo em você parece moldado especialmente pra ser perfeito. É como se você não tivesse sido feito pra esse mundo, no sentido bom. As vezes, eu não me sinto parte de nada no mundo, no sentido ruim. Me sinto inadequado, mas você é uma das poucas coisas que eu tenho certeza absoluta que é real, embora não saiba o que eu sinto por tua pessoa. Quem sabe...


Com amor,

Will Solace <3



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