Semestre - Este - (Capítulo Um)

 


  Todos os dias eram iguais e sem cor. Eu madrugava a maior parte da semana por causa da insônia, "acordava" para ir à escola, assistia/negligenciava as aulas, voltava pra casa e não fazia nada de relevante pelo resto do dia e noite. Meu pai trabalhava muito e eu não tinha mais ninguém além dele. Se é que eu podia chamá-lo de pai.

 Minha vida mudou quando um garoto se sentou ao meu lado no ônibus escolar e falou comigo. Dizer isso fora de contexto pode parecer terrivelmente deprimente, mas é a triste realidade dos fatos. Tentei não dar muita bola e vivi minha "vida" (é inadequado dizer que eu vivia naquele momento). 

 Em sala, sozinho e meio entorpecido pelo tédio, a professora Hécate nos apresentou um novo aluno vindo do Texas que ficaria um semestre em nossa escola. O garoto do ônibus era meu novo colega de classe. Grande merda, pensei comigo mesmo quando o reconheci. Foi em vão a tentativa de convencer a mim mesmo de que aquilo não importava. Mas senti uma pontinha de esperança. A sensação foi estranha a primeiro sentido.

 Logo, o novato foi recebido pelo grupo dos populares e a pontinha de esperança morreu. Era inútil tentar me apegar a qualquer chance de que eu teria um amigo que fosse nessa existência. Voltei a ser eu da forma mais deprimente que se é possível ser eu, Continuei ignorando tudo o que a professora falava enquanto rabiscava silhuetas que minha mente reconhecia, mas fingia que não.


一 Niccolò Di Angelo!


 O caderno foi arrancado da minha mesa e a senhorita Hécate me olhou com uma raiva mortal. Ela observou os desenhos por um momento, fechou o caderno e disse, rispidamente que eu tinha duas opções pra escolher: Assistir a aula e responder suas perguntas ou ir pra diretoria e levar advertência. Me senti com sorte. Geralmente ela que escolhe por nós.

 Juntei minhas coisas e saí da sala. "Ui, que atitude rebelde". Foda-se! Tô nem aí. Eu já não tava vendo a aula mesmo e nem queria responder perguntinha de porra nenhuma. Pior que eu tô falando sério. Saí da sala, indo direto para a biblioteca e me escondendo entre as estantes. Eu não queria ver ou falar com ninguém.




✲         ✲      ✲





 Acho que uma semana se passou, não tenho certeza. O garoto novo ficou com o grupo de populares durante esse curto período, mas sempre que eu o olhava, ele estava me observando e nossos olhares se cruzavam. Por que ele fazia isso? Curiosidade, talvez. Eu não queria me importar se ele estava me olhando ou não. Mas aí, o novato teve uma grande discussão com os garotos do grupo popular e disse várias coisas sobre eles. 

 Repreendeu-os pelo modo como falam com os outros e dos outros. Disse um monte sobre os hábitos horríveis deles. Criticou-os dos pés a cabeça. E ainda explanou muito. E com razão. Todas as pessoas que assistiram essa "briga" no refeitório ficou comentando nos corredores na hora da saída. Não demorou nada para que vídeos do ocorrido aparecessem nos grupos de whatz das turmas. 

 Por algum motivo, motivo esse que até mesmo eu desconheço, decido que quero ir embora a pé e é exatamente isso que eu faço. Caminho em silêncio por minutos aos quais não me dou o trabalho de contar. Eu só não sei por que caralhos me assustei tanto quando uma mão suada tocou meu ombro. Parei e me virei. O novato briguento murmurou algum tipo dr agradecimento, parando para tomar fôlego. Ele tinha corrido? 


— Para quem tem pernas curtas, você anda muito rápido. — Disse entre uma lufada de ar e outra. 
 Ele correu pra me alcançar?



— Eu sou o Will. — Apresentou-se. — Will Solace.



 Fingi analisá-lo de cima a baixo para intimidá-lo e não respondi por um tempo. 



— Me chamo Nico. O que quer? 



 Minha rispidez pareceu surpreendê-lo. 



— Sua amizade.


 
 Ri sem humor, mas achando graça.


— Nem fudendo. 


— Como assim? Eu só quero ser seu amigo. 


— Não vê que esse é exatamente o "problema"?


— Problema? Há algum problema nisso? 


— Há! Pior que há, sim. Você não enxerga? É sempre assim? 


 Estou com raiva. Raiva por ele ter se aproximado de mim e estourado minha bolha pessoal. Raiva por ele ter se esforçando para que usso acontecesse. Raiva por ele ainda se manter tão perto quanto qualquer outro idiota se atreveu a estar conscientemente.


— Assim? De que jeito? 


— Você sempre é tão aéreo ao risco que corre? 


— Você é um perigo?


— Pare de me responder com outra pergunta! 


 Will hesita, mas assente como se pedisse desculpa.


— Quero ser seu amigo porque te acho legal e quero saber mais sobre você. O que há de mal nisso?


 Bufo, sem a menor vontade de começar a me " vitimizar" e com preguiça de explicar o por quê. 


— Quer saber? Você parece ser difícil, mas eu sempre amei um desafio.


 Dei de ombros.


— Faz o que quiser, novato. 


— Ótimo. Se não terei pedindo, vou conquistar sua amizade e seu respeito, mesmo que aos poucos. 


 Por mais determinação que ele pôs em suas palavras, não consegui acreditar nele. Duvidei que fosse conseguir. 


— Tanto faz.


 Virei de costas pra ele e fui embora. Nenhuma mão suada tocou meu ombro dessa vez.



 


Comentários