P&UV -- XXX -- Minha primeira e única alma gêmea

 



 O dia de Nico começou cedo. Quatro e meia da manhã, para ser exata. Will, nesse horário, já estava de pé, revisando um conteúdo da faculdade na bancada da cozinha. Deu um selinho no moreno assim que o mesmo se aproximou, perguntando se dormira bem. O outro não respondeu de imediato, indo pegar sua caneca no armário para acompanhar o Solace e tomando um generoso gole de café antes de qualquer coisa.


一 Sonhei com minha mãe... 一 Murmurou enquanto se sentava. 一 ...no nosso casamento.


 William parou tudo para olhar seu noivo. Di Angelo parecia com a mente em outro mundo. Largou os papéis que lia para abraçá-lo. Nico correspondeu, sem hesitar. Por um momento, viu sua mãe ali, trajada em um vestido púrpura. Os cabelos negros caindo pelas costas e os olhos doces. Sentia tocar seu rosto em uma carícia.


一 Mio angelo... 一 Ela disse.


 O menor sentia seu coração se apertar quando Maria o chamou assim, depois de tantos anos.


一 Eu sei o quanto gostaria que isso acontecesse.


 A fala da mulher se perde na do loiro, as duas vozes se tornando uma só por um momento. Ela estivera ali? Num segundo, sua mãe o consolava e no outro era Will? É possível? O Di Angelo mal percebeu que estava chorando até seu noivo limpar suas lágrimas com os polegares. Havia empatia e conforto em sua expressão.


一 Com certeza ela estará lá. my moon, mas não fisicamente ou de uma forma que você possa ver.


 Franziu o cenho, olhando para ele com curiosidade.


一 Mas aqui. 一 Ele pôs o dedo indicador sobre o coração. 一 Onde você pode senti-la com você.


 Nico abaixou os olhos ao receber um selar na testa. A realidade caía em seus ombros com um peso maior. Iria casar com o amor da sua vida, mas talvez sua mãe, a primeira pessoa que descobriu e apoiou os sentimentos dele pelo filho da sua melhor amiga, nunca saberia sobre isso. Se o Esílio existe, estaria ela vendo tudo? Estaria ela orgulhosa?

 Pensou um pouco melhor em seu sonho e na possível alucinação. A causa disso certamente era o estresse da faculdade e a ansiedade pelo casamento. Apesar de estar gostando muito do noivado, mal via a hora de ter uma aliança de verdade e poder declarar aos deuses e ao mundo que pertencia a alguém especial.


一 Will... Não estou me sentindo bem hoje. 一 Sussurrou, meio tímido por implicitamente pedir aquilo.


一 Acha melhor ficar em casa? 一 Assentiu após ele falar, receoso. 一 Eu faço um atestado pra você.


 Di Angelo relaxou um pouco, se aconchegando no pescoço do noivo. Odeia pedir favores assim.


一 De quanto tempo precisa?


一 Dois dias, por favor.


 O loiro ponderou, pensando no que colocar como justificativa. Brincou com os dedos nas costas do menor, fazendo formais geométricas e escrevendo palavras no tecido de sua roupa enquanto estava perdido na própria linha de raciocínio. Nico passou os braços pelos ombros de Andrew, chamando sua atenção, e o puxou para um beijo. Lento, carinhoso.

 Retribuiu, deslizando uma mão para a cintura e a outra para a nuca. Gosta da sensação do moreno em seus braços tanto quanto ele gosta de estar nesse aconchego. O casal tem seus momentos, ocasiões e lugares, Em público? Nem um selinho sequer. Na frente de amigos e família? Uma leve timidez e falta de jeito. Sozinhos? Todo o amor do mundo.


一 Ti amo.


一 Anch'io, sole.


 Deslizou os lábios pelo pescoço pálido do outro.


一 Tá cedo... Quer voltar pra cama?


一 Querer, eu quero, Mas e sua revisão?


一 Eu posso revisar enquanto te dou atenção. Tenho três horas pra ficar agarradinho com você se quiser.


 O moreno pendeu a cabela um pouco para o lado, cedendo mais espaço para as carícias de William.


一 O que você tava revisando?


 Solace hesita, ponderando o que dizer.


一 Anatomia humana e pontos arteriais.


 Nosso pequeno fantasminha se vê envergonhado por ter perguntado e sente o rosto vermelho.


一 Mas posso revisar o conteúdo sobre boca e papilas gustativas. O que acha?


一 William Andrew Solace!


一Niccolò Di Angelo, que mente poluída a sua! 一 O loiro fingiu surpresa.


一 Vá se foder!


一 Posso foder você?


 Logo após isso, deixou um chupão no ombro do mais baixo, fazendo o mesmo tremer em seus braços. Inesperadamente, é acotovelado no abdome e recua segurando o local, com dor.


一 Ouch! Babe!


一 Não vem com essa, William. 一 Retruca o Di Angelo, cruzando os braços. 一 Não tô afim de sexo agora, sole. Tô pensando na minha mãe e... Doeu muito?


一 Pra caralho...


 Nico o abraçou.


一 Sei que não é o fato que ela se foi, mas sim que a presença dela lhe faz falta. 一 Sussurrou Will, beijando-lhe a testa. 一 E sinto muito por forçar a barra. Te amo, com toda a minha alma.


一 Eu também te amo. Com toda a minha alma.


一 Mio angelo...


一 My heaven...



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 Escreva isso...

 Nico ignorou seus pensamentos sobre seu passado enquanto lia. Retornou a ler de novo o mesmo parágrafo, determinado a focar na história com a qual escolhera para se entreter. Mas percebia sua linha de raciocínio se guiando ao passado várias e várias vezes. Se via lembrando de um momento e buscando palavras para descrevê-lo.

 Escreva isso...

 O moreno deixou o livro de lado e foi fazer uma caneca de café. Deixou a água ferver ao passo que ia pegar o recipiente com café solúvel. Adicionou a quantidade desejada de açúcar, colocando a água quente e mexeu, para dissolver bem. Levou a caneca aos lábios e tomou com cuidado, se perdendo na própria mente outra vez.

 Will estava no trabalho agora, provavelmente sendo demitido por espancar Max de novo. Ficara surpreso ao saber que ele continuava um mal caráter assediador. Depois de tudo, ainda era o mesmo. O caso de Hazel ter sido apalpada por ele lhe trouxe lembranças pouco confortáveis de algo parecido.

 Escreva isso...

 O boletim de ocorrência já devia ter sido registrado, mas seu noivo ainda estaria respondendo por agressão física. Frank, claro, estava irritadíssimo com essa situação. Leo nunca xingou tanto na vida... Mas vamos falar de coisa boa! Bia está prenha de novo, Lavínia pediu a mão de Kayla e Ray já está com seus 13 para 14 anos.

 Escreva isso.

 O pedido na sua cabeça era mais insistente. Voltou a ignorar, dessa vez com um pouco mais de dificuldade. Retornou a sala, bebericando seu café enquanto se lembrava do baile de formatura. A primeira ocasião importante em que usara um vestido. Também se recorda de ter tudo um ciúme de Will com Kayla, como se fossem um casal.

 Escreva isso.

 Terminou sua bebida e se deitou na cama, sentindo o corpo relaxar. Se escondeu entre as cobertas e se enrolou por inteiro, o dia de sua primeira fuga lhe vindo a mente. Um momento que ficaria para sempre gravado no seu coração. Algo que aconteceu entre eles e ficaria entre eles. Por toda a eternidade.

 Escreva isso!

 A afirmação fez Nico se assustar. Não se tratava de um pedido, mas uma necessidade. Se levantou, tentando organizar seus pensamentos. Tomou banho para se acalmar e a ideia ficou mais clara em sua mente. Como executá-la? Eis a questão. Lembrou de um caderno que tinha guardado, para a faculdade. Provavelmente não ia usá-lo. Perfeito...

 Escreva, escreva, escreva...

 Pegou lápis, borracha, apontador, o caderno e se sentou no pufe, apoiando o material de escrita nas pernas cruzadas. Mordeu o lábio, pensando no que escrever. São tantas lembranças, tantos momentos e tantas coisas que quer relatar. Ponderou por um tempo, ansioso. De repente, já sabia como e por onde começar.

 Quando criança, eu me achava meio sozinho.





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