一 Será que vamos conseguir?
Recebi um selar na testa como um gesto reconfortante para me acalmar. Will me puxou para um abraço, ao qual retribuí de imediato.
一 Sua irmã engravidou de uma mulher, Neecks. Não duvido de nada nesse mundo.
Seguro um suspiro.
一 Eu tô com medo, Will. Medo de que o problema esteja na minha capacidade reprodutiva.
Ele pegou meu rosto nas mãos e me olhou nos olhos. Havia uma segurança em seu rosto que me aquietou o coração. O loiro sempre possuiu essa capacidade de me distrair e me devolver minha paz de espírito. Ao longo dos anos, essa capacidade se mostrou muito útil e oportuno, pois sempre tem algo que me preocupa ou me tira do sério. É impressionante.
一 Ok, eu duvido de uma coisa nesse mundo. É muito improvável, mi vida. Não há casos de infertilidade na minha família e nem na sua. Além disso, meu pai engravidou um homem, o que gerou Kayla. Não estou preocupado e você também não devia estar.
Relaxei depois do que ouvi. Depois de tudo, acho que o universo não teria nos colocado mais essa dificuldade. Já havíamos enfrentado tantas. Provamos nosso valor e nosso amor de tantas formas. Finalmente paz...
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一 Eu sei que tive a mesma vontade com o Raphael e a Drianna, mas dessa vez é sério! 一 Lia insistiu, brincando com um de seus cachos dourados nos dedos.
Revirei os olhos e Linch riu com ironia.
一 Casar não é brincadeira, Li. 一 Disse ele, tirando as tortilhas do forno.
Mael pulou no meu colo, pedindo pelo doce.
Em resumo: Tive quatro filhos com 2 anos de diferença entre eles. O mais velho, Nathan, casou e teve um filho antes de morrer em um acidente de carro. Lia, a que nasceu depois de Nathan, está noiva pela terceira vez e em fase de transição, pois se assumiu trans. Hillary está em lua de mel, grávida, na Grécia. E Mike, meu caçula, mora com o namorado e um filho em Seattle.
Sim, eu e o Will tivemos que lidar com o luto por um filho. Foi doloroso como se o mundo fosse acabar, mas superamos. E agora eu tenho três netos, um deles a caminho. Linch é ótimo como pai e mãe, um excelente genro e uma pessoa maravilhosa. Trabalho como psicólogo, faço meus horários, visito Jay, Bia e Leo nas horas que combinamos. A vida é boa.
一 Neecks, cheguei.
Lia, ou Lio agora, pegou Mael dos meus braços. Fui até Will, dando um selinho nele depois que o mesmo pendurou seu jaleco e tirou os sapatos. Ele me correspondeu, aprofundando o beijo. Ouvi uma risadinha por parte do bebê quando Linch tampou seus olhos. O loiro sorriu contra o beijo, mas não parou. Senti suas mãos em minha cintura e pus as minhas em seu rosto.
一 Vocês são muito velhos pra isso. 一 Meu filho murmurou, parecendo pasmo com o que via.
Revirei os olhos.
一 Você disse a mesma coisa quando tinha seis anos e ainda parece ter essa idade.
Ignorei sua reação exagerada e voltei a beijar o meu marido, que não negou o gesto. Nós já tínhamos chegado nessa fase da vida que estamos pouco nos fodendo para quem quisesse nos julgar. Nunca fomos do tipo rebelde sem saber ou se importar com as consequências. Toda vez que fazíamos algo "errado" ou escondido, lidávamos com o peso de tudo se fossemos pegos.
一 Vou tomar um banho, my moon. 一 Ele disse, me dando um selinho antes de se afastar. 一 Quer vir comigo?
Sorri, um pouco malicioso.
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Neste exato momento, é mais de uma hora da manhã. Estou tomando um café com leite enquanto escrevo isso e está muito frio nessa madrugada. Peguei um casaco há pouco tempo, então logo, logo a temperatura deve estabilizar. Por que estou acordado? Estou tendo alguns pensamentos que não me permitem pregar os olhos.
Tudo o que está escrito acima foi feito há mais de uma semana. Todos esses capítulos, toda essa história, apesar de não parecer, é real. Eu vivi cada linha daqui e além. Registrei nessas páginas o que eu consegui descrever e, relendo agora, posso perceber alguns elementos e situações citadas de forma mais vaga ou errônea, como se eu não quisesse deixar de citar, mas não soubesse a melhor maneira de expor esses momentos.
E também há coisas que eu não aprofundei ou até mesmo não cheguei a falar. Uma dessas coisas que eu não falei foi das amizades que Eu e Will temos em comum, a relação dele com os próprios meio-irmãos, a convivência familiar de Will e a vida amorosa do meu pai após a morte da minha mãe. Nenhuma dessas coisas me diz respeito.
Também nunca mencionei nada que já não tivesse sido público na época da vida dos meus amigos e irmãos com os quais convivi. Só escrevi o que não é um problema comentar e apenas o que me envolve de alguma forma. Não entrei em detalhes da vida pessoal dos meus filhos e nem vou. Eu os criei sabendo o significado de "privacidade" e jamais faria com eles algo do gênero.
Agora... Por que eu comecei a escrever isso? Não sei. Eu estava no meio da faculdade quando ocorreu. Peguei um caderno que não ia usar e simplesmente comecei. Apenas senti uma necessidade repentina em relatar tudo o que vivi. Pra quê? Boa pergunta.
Não pretendo compartilhar isso com ninguém. Se tornou pessoal demais. Até entendo mostrar a um amigo, Jay por exemplo, o que você mesmo escreveu sobre seu primeiro beijo. O meu, aliás, foi em público, na sala de aula: Todo mundo da turma viu e todos os outros ficaram sabendo. Mas a partir do meu primeiro beijo de língua, as coisas ficam mais sérias e confidenciais. São momentos só nossos e que ninguém mais presenciou (Sem nossa autorização e consciência pela de que estavam lá).
Porém, se eu tivesse que escolher entre queimar esse caderno ou guardar, eu guardo. Porque é todo um ponto de vista que eu externalizei. Mesmo que eu não compartilhe isso com alguém, eu mesmo posso pegar e ler como se fosse a história de outra pessoa. Posso ler e identificar coisas no meu modo de pensar. Fora que isso, todos esses capítulos, foi escrito com o passar de meses e anos.
Escrevi sobre meu casamento quando meu filho mais velho tinha cinco anos e meio. Admito que, depois da morte dele, não escrevi mais. Até agora. É com esse capítulo que eu me curo e me liberto de qualquer mágoa que a morte de Nathan pode ter me deixado sem que eu percebesse. Ele foi uma pessoa incrível. É nisso que eu devo focar: Em quem ele era, não o que deixou de ser.
Neste momento, me recordo do meu primeiro dia após a lua de mel. Estamos morando na casa que Will morava antes de se mudar, a em frente a minha antiga. O loiro foi trabalhar e eu marquei algumas sessões, fazendo o meu trabalho home office enquanto isso. Cuidei da casa, fiz comida, organizei as minhas coisas.
No meu peito, uma eterna sensação de paz e euforia. Há uma grande diferença entre morar com o namorado e estar casado. Tudo é diferente, como se você estivesse mais seguro. Até hoje sinto essa paz de espírito. Pode parecer besteira da minha parte, mas é a mais pura e incrível verdade.
A noite, quando Will chegou, eu já havia jantado e fui me deitar. Ele comeu, tomou banho e em pouco tempo se juntou a mim. Ficamos um de frente para o outro, como já havíamos feito várias e várias vezes. Alisei seu rosto com as costas dos dedos, admirando-o com um suspiro entalado na garganta. Meu marido. O meu eterno e único sol.
Me aproximei devagar e ele selou seus lábios aos meus. Eu me sentia no céu.
一 Il mio destino...
Sorri com suas palavras.
Ali, bem colado a mim, sempre esteve e sempre estará a única pessoa que eu sou capaz de amar dessa forma tão intensa. Meu primeiro amigo, meu primeiro confidente, meu primeiro melhor amigo, meu primeiro crush, minha primeira paixão, meu primeiro beijo, meu primeiro noivo, meu primeiro marido e outras várias coisas. Minha primeira e única alma gêmea. A pessoa com quem partilhei minhas primeiras e únicas vezes.
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