Então, um ano se passou.
Na segunda, dia seguinte ao beijo, Will não fez nada e nem comentou sobre o assunto. Quando o chamei para conversar, ele desviou o rumo para outro tópico e fingiu um compromisso. Fiquei com raiva? Óbvio. Decepcionado, mas eu não deixei de gostar dele. Acho que o sentimento só cresceu.
Por fim, desisti e vivi a minha vida. Conheci outros garotos, fiquei com eles, mas não namorei ou dei pra eles porque, em algum lugar no meu coração, ainda alimentava esperanças de que Will na verdade estivesse mentindo. Eu queria que ele gostasse de mim e que, diferente do que decidi, não desistisse de tentar me conquistar.
Quanto a ter chorado nos braços da minha irmã após ter discutido com ela... Eu estava sobrecarregado, cansado da escola e exaurido das coisas de casa. Eram tantos trabalhos e matérias novas que o primeiro ano do ensino médio foi um inferno. Além do mais, o dia anterior a tudo aquilo era o aniversário de oito anos da pior coisa da minha vida inteira. Não sabia como lidar com o que aquilo me causava.
De qualquer forma, Bia me consolou e dividiu alguns segredos comigo em troca da conversa que ela escutou sem minha permissão. Senti que tinha uma irmã e não uma figura de autoridade exigindo respeito. É... Foi bem bizarro. Mas esquecemos a briga roubando bolinhos de mel no meio da noite.
Agora eu estava no segundo ano, já acostumado com a correria do ensino médio e relativamente familiarizado com as matérias. O estranho era que eu tinha quase todas as aulas com Will e Leo, meu melhor amigo, eu mal via direito. Peguei amizade com uma garota chamada Reyna e ela se juntou ao GEP, Grupo dos Esquisitos e Problemáticos. Depois de algumas semanas...
一 Já ficou sabendo da festa que vai ter na casa da Rachel? 一 Disparou Leo assim que me sentei.
Abri o embrulho do meu sanduíche caseiro e dei uma mordida.
一 Deveria?
一 Claro! Todo mundo no grupos dos alunos foi convidado. Inclusive nós.
Frank pôs um cookie na minha mão antes que eu abrisse a boca. Dei um salgado pra ele em troca.
一 É só uma festa. 一 Piper revirou o prato de salada que comia.
一 Só? 一 Exasperou Leo. 一 Fomos convidados para alguma coisa. Isso é uma pequena vitória.
Jason não tirou os olhos de seu almoço, mas murmurou:
一 Deveria ser...
Hazel deu uma de suas ervilhas a um canário que pousou na mesa. O pássaro pareceu satisfeito.
一 Se esqueceram que somos os excluídos? Ninguém liga pra gente.
一 Exatamente por isso é uma vitória, pessoal. 一 Pronunciou-se Leo outra vez.
Piper girou o garfo, abrindo um sorriso descontraído.
一 Só me passar a hora, o dia e o endereço. 一 Seus olhos vagaram pela mesa, por cada um de nós. 一 Eles saberão quem somos. Tá na hora de brilharmos.
✲ ✲ ✲ ✲ ✲
A festa foi diferente de tudo o que eu imaginava. Uma playlist eletrônica sem letra tocava no máximo. Havia muita bebida, muita comida e muita indecência por todos os lugares. Rachel nos atendeu e disse para ficarmos a vontade. Falou que a comida estava na cozinha e que havia suco batizado em cada móvel.
Leo se serviu de suco de maçã com tequila e dançou enquanto bebia. Piper virou três shorts em cinco segundos e foi aplaudida. Jason achou Percy passando mal e foi cuidar dele. Annabeth saía pela festa perguntando "Beijo ou Tapa?". Grover comia um sofá de sorvete. Bebedeira não era sua praia de qualquer forma. Hazel tomou um shot e começou a falar com alguém que conhecia de um curso.
Eu? Tinha ido todo de preto e me senti um animal encurralado no exato momento que pus o pé ali. Me escondi perto de uma mesa com cerveja e caminhei até Grover. Ao olhar para mim, pareceu surpreso, mas me recebeu estranhamente bem e me deu um pote de sorvete de chocolate e duas colheres.
一 Podemos dividir? 一 Sugeriu.
Assenti, meio sem graça.
一 Claro.
Abri o pote e aceitei uma das colheres. Comemos e observamos a movimentação, estupefatos com tudo. Por um momento, me arrependi de estar ali, mas lembrei que o objetivo era me divertir e comer sorvete era forma melhor de fazer isso do que me embebedar e rebolar a raba.
一 Não gosto desse tipo de ambiente, desordenado, sabe?
Algo me dizia que essa era uma tentativa de Grover de iniciar uma conversa. Sorri, começando a pensar que a festa não estava tão ruim quanto eu achava que estava.
一 Entendo. Também não gosto muito.
一 Quem te obrigou a vir?
Ri.
一 Leo e Piper. Esses dois são imparáveis. Mas e você? Quem te obrigou?
Ele sorriu e pegou mais sorvete.
一 Percy e Annabeth.
一 Quando cheguei, Percy tava passando mal.
一 Ele sempre fica mal. Não aguenta bebida. Ele tá bem?
一 Jason o socorreu.
一 Ainda bem. Mas e Annabeth?
一 Falando no diabo...
A loira apareceu, bêbada e risonha.
一 Beijo ou tapa, meninos?
Grover deu um beijo em sua bochecha. Dei um tapa leve e ela foi embora. Observei por um momento e a vi se aproximar de Piper. Meio segundo depois e elas estavam se pegando. E com vontade, viu. Desviei o olhar e voltei a comer sorvete, desejando poder esquecer aquela cena.
Jason saiu do banheiro sustentando um Percy semiconsciente e muito delirante. Parou perto de mim.
一 Nico, vou levá-lo para casa. 一 Ele me alertou. 一 Fala pros outros, tá?
一 Ok. Boa sorte.
一 Valeu. Até amanhã.
一 Até.
Grover e eu terminamos o pote, a boca fria de tanto sorvete. Olhei o relógio. 10:46. Tínhamos chegado às 7:30 da noite e já era 10 horas? Meu colega se levantou e apertou minha mão, um sorriso no rosto. Alguém que não era meu amigo sorrindo na minha presença? No mínimo, estranho.
一 Eu também preciso ir, Nico.
一 Mas já?
一 Infelizmente.
一 Até mais, então.
一 Até... E outra coisa.
一 Hum...
一 Se precisar de alguém pra dividir um pote de sorvete...
Sorri, contente.
一 Eu te chamo. Pode deixar.
Grover riu e foi embora.
A essa hora, já começava a diminuir o ritmo da música. Leo tinha desaparecido. Frank eu nem vi. Piper e Annabeth conversavam em um canto privado. Quanto a mim? Fiquei observando tudo até que uma pessoa se aproximou. Era Will. Com dois copos, um de qual ele me ofereceu e recusei.
一 E aí? 一 Ele me cumprimentou.
一 Oi...
Ele tomou um gole do que tinha no copo.
一 Você tá bêbado?
O loiro negou com a cabeça, rindo.
一 Não me embebedo fácil, Nick.
Abracei minhas pernas e descansei o queixo em meus joelhos.
一 Não posso dizer o mesmo de mim.
Ele sorriu.
一 Nem um gole?
Aceitei o copo intocado, torcendo para que não estivesse adulterado e que eu fosse dopado. Me repreendi por pensar isso. Will nunca faria algo assim. Tomei um gole e senti queimar. Desceu rasgando, mas tinha um gosto adocicado. Outra coisa que queimava era o olhar de Will sobre mim, me analisando.
一 O que foi?
Ele balançou a cabeça.
一 Nada. 一 Depois se levantou. 一 Quer ir pra outro lugar?
Hum..., pensei.
一 Pode ser.
Me levantei e ele pegou na minha mão. Senti meu coração acelerar, mas o deixei me guiar pela casa. Subimos para onde tinha uns quartos e me surpreendi com a quantidade de gente que estava ali. Hazel me cutucou e forcei Will a parar para que pudesse ouvi-la. Ela não parecia bem.
一 Você viu Frank? Não o vejo faz horas e ele vai me levar embora.
一 Não o vi.
Então lembrei de outra coisa.
一 Você viu Leo?
一 Foi socorrido por Frank quando perdeu o equilíbrio na pista de dança. Não os vi depois disso.
Assenti. Senti um aperto na mão.
一 Preciso ir. Se eu encontrá-los, mando mensagem, mas não deixe de procurar. Até mais tarde.
一 Ok. Obrigada.
Will e eu nos esprememos entre as pessoas. Parei em frente a um quarto e abri a porta. Um casal dormia tranquilamente depois de uma foda. Com o calor de Will me aquecendo, sua respiração na minha nuca, quis que fosse a gente ao invés de Rachel e seu ficante. Fechei a porta e segui em frente.
Era tanta gente no mesmo lugar que me senti claustrofóbico, mas o loiro que me guiava não soltou a minha mão mesmo quando nos empurraram para longe um do outro. No final do corredor, havia uma porta de correr de vidro fosco, de modo que não dava pra ver direito lá fora, que devia levar a varanda da casa.
Próximo a tal varanda, tinha outra porta para outro quarto. Eu poderia ter ignorado, mas ouvi um barulho estranho e, antes que eu piscasse, já estava com a mão na maçaneta. Ao abrir, o choque quase deu um apagão no meu cérebro. Frank estava de costas para mim, nu, com Leo cavalgando nele. As costas de Frank tapavam boa parte do corpo de Leo, evitando exposição de nudez, mas era nitidamente o Leo.
Fechei a porta antes que tirassem foto e Will me levou para a varanda quando os murmúrios começaram a ser audíveis. Acontece que eu fechei a porta tarde demais e Hazel viu quando mandaram um vídeo pra ela. Seus olhos se encheram de lágrimas e as pessoas bateram na porta, zombando deles e ameaçando abrir.
Will puxou as cortinas, nos deixando invisíveis, e espiou a movimentação por uma brecha. Me sentei em um dos pufes, pensando no que tinha acabado de ocorrer. Só podia ser um pesadelo do qual eu iria acordar e agradecer por isso. Mas, com minha sorte, não foi assim.
一 Que merda que eu fiz?
Will continuou olhando o movimento, mas me respondeu em tom doce:
一 Você não tinha como saber que Leo e Frank estariam lá, muito menos... Você sabe.
Talvez eu tenha chorado, mas não me lembro bem o bastante pra confirmar. Fiquei ali, encolhido, me sentindo péssimo. Eu tinha exposto Frank e Leo. Recordei-me de outro dia em que estraguei tudo. Meus pais discutindo no carro e eu no banco de trás. Era tudo minha culpa. Era tudo minha culpa.
一 Finalmente. 一 Suspirou Will, mas sua voz soou distante. 一 Eles estão se dispersando. Com sorte, indo embora. E...
Ele deve ter se interrompido em alo porque não escutei o resto da frase. Então, ele se agachou na minha frente e me abraçou. Me senti acolhido em seus braços e o apertei de volta. Até o momento que, magicamente, eu estava sentado no colo dele, uma perna em cada lado do seu corpo, conversando. Eu tinha a vaga lembrança de Will me encarando, como se contemplasse a coisa mais bela do mundo inteiro.
No fim das contas, ficamos conversando e conversando e conversando... Mas eu não contei nada do que eu estava pensando antes que ele me abraçasse e me consolasse. Ele falou sobre seus pais e os irmãos enquanto eu falava do GEP. Descobri que ele ficava mais com o clube de música no intervalo e que tocava violão e guitarra.
Conversamos por horas e eu senti que, no fim das contas, ele não tinha se arrependido de ter me beijado. Quando o assunto morreu, o silêncio se estabeleceu. Estávamos tão próximos um do outro que sua respiração aquecia o meu rosto e se misturava com a minha. Com o coração acelerado, resolvi arriscar.
一 Por que me beijou, há um ano atrás, se não ia fazer nada? Por que confessou seus sentimentos se não ia tomar uma atitude a respeito?
Will suspirou, mas sorriu.
一 Porque eu ia me arrepender se não fizesse nada. Eu passaria o resto da minha vida pensando que te tive tão perto e passei tanta vontade atoa.
一 Por que?
O loiro pegou o meu rosto em suas mãos.
一 Porque eu tenho medo. Medo de estragar tudo entre nós e te assustar com o que eu sinto. É tão, tão, tão forte que faz com que eu me sinta uma formiga.
O choque fechou minha garganta. Eu queria responder. Dizer que sinto o mesmo. Que o amo mais do que posso compreender e quantificar, mas eu travei. Travei completamente. Will desistiu, achando que fez o que temia fazer: Me assustar. No entanto, eu queria correspondê-lo. Eu precisava correspondê-lo.
Como as minhas cordas vocais não respondiam, puxei o queixo dele e o beijei. Tipo, beijei mesmo. Will retribuiu imediatamente e enlaçou minha cintura. Minhas mãos desceram até sua nuca, aprofundando o beijo. Sua língua invadiu minha boca e dançou com a minha, explorando o território. Então, eu senti as mãos quentes dele por baixo da minha camisa, me tocando. Um arrepio percorreu o meu corpo.
Eu estava nas nuvens. Aquilo, esse beijo, foi o melhor que eu já tinha experimentado. Tudo dentro de mim formigava e ansiava por mais: Mais toque, mais contato físico e muito mais de Will. Eu queria tudo dele e queria dar tudo de mim em resposta. Nunca senti nada minimamente parecido com isso antes ou com outra pessoa.
Will sugou minha língua entre o beijo e arfei de surpresa com o ato. Eu estava todo arrepiado. Apertei os fios da nuca dele entre os dedos. As mãos dele subiram pelo meu peito, seus dedos se esgueirando por cada centímetro de pele até... Dei um gemido baixo contra os lábios de Will quando ele pressionou o meu mamilo, apertando-o entre o polegar e o indicador.
Perdi completamente o ar. Rompi o beijo e escondi o rosto em seu pescoço, ofegante. Ouvi-o sorrir e senti sua respiração pesada no meu ouvido. Outro arrepio percorreu o meu corpo. Levantei o rosto para afastá-lo da minha orelha, mas não adiantou muito.
Seus lábios passearam pelo meu pescoço, distribuindo beijos e selinhos a medida que se deslocava. Apertei suas mechas nos dedos, mordendo o lábio inferior para evitar ruídos estranhos e/ou constrangedores. Suas mãos continuaram firmes no lugar, apesar das minhas tentativas de tirá-las dali.
Depois de alguns beijos, ele parou e veio me beijar na boca, só que mais suave do que a última vez. Retribuir foi imediatamente, como se fosse parte de mim. Quando acabou, Will ostentava um sorriso de pura felicidade. Meu rosto devia estar vermelho, mas sorri também. Ele colou sua testa com a minha.
一 Eu te amo...
Meu coração palpitou.
一 Eu também te amo, Solace. Muito mais do que posso medir e muito além da mina compreensão limitada.
Will sorriu. Seu polegar alisou minha bochecha carinhosamente.
一 Que tal fazermos um juramento e o selarmos com um beijo, como nos filmes? 一 Sugeriu ele.
Franzi a testa.
一 Em que filme você viu isso?
一 Hum... Não lembro...
Ri.
一 Certo, certo. Eu aceito fazer.
Will sorriu.
一 Você começa.
Ponderei por um instante, pensando no que dizer. Mas então desisti. Se fosse para fazer um juramento, não seria da boca pra fora. Seria de coração.
一 Eu, Nico Di Angelo, prometo te amar, apenas te amar, na vida e na morte, pelo resto da minha vida e durante minha estadia nos campos de Esílios.
Quando terminei, o loiro pigarreou.
一 Eu, William Andrew Solace, prometo te amar e apenas te amar, na vida e na morte, até depois que eu me tornar outro figurante de Star Wars, ou seja, uma estrela.
Ri de sua piada e ele riu também. Depois, passou a mão por trás da minha orelha e veio devagarinho até a minha boca. Seus lábios se colaram aos meus e fechei os olhos para apreciar melhor a sensação. Passei um braço pelo ombro dele e a outra mão em seu cabelo, brincando com os fios dourados entre meus dedos.
Will foi mais controlado dessa vez e não tentou me desestabilizar, vulgo me fazer gemer. Só senti uma leve pressão um pouco depois de começarmos a nos beijar. Era a língua dele querendo passagem e me surpreendi com sua agilidade.
O loiro percorria o interior da minha boca com avidez, tomando território e me oprimindo ao mesmo tempo que implicitamente me desafiava a fazer melhor. Deixei-o ter o controle e apenas apreciei a sensação de tê-lo tão perto. Tanta preocupação durante um ano todo atoa. Ele me amava. Ele me amava.
一 Ei! 一 Era a voz de Rachel. 一 Nada de foderem na minha varanda. A festa já acabou e a putaria também.
O beijo se partiu e, com certa dificuldade, me levantei do colo de Will, ajudando-o a se erguer em seguida. Dei um sorriso constrangido para Rachel.
一 Desculpa. Garanto que não era a nossa pretensão. Né, Will? 一 Acotovelei-o.
一 Ai!... Claro que não.
Rachel fez vista grossa, mas deu de ombros logo depois.
一 Ok. Os levo até a porta. Me sigam.
✲ ✲ ✲ ✲ ✲
Depois de sermos pegos e praticamente expulsos da festa por Rachel, Will me levou até em casa e se despediu de mim com um selinho. Observei-o ir embora. Ele parecia tão contente e realizado que ri até perceber que me sentia da mesma forma.
Ao entrar, não encontrei ninguém. Entre os sapatos, vi os de Hazel e fui até o quarto dela. Bati o nosso código secreto e ela só me mandou entrar. Estava enrolada em lençóis, apenas o nariz, vermelho de tanto chorar, de fora. Sentei-me do seu lado e perguntei o que tinha acontecido. Haz me entregou o celular, um vídeo da festa rodando: Frank e Leo.
一 O pior de tudo é que... 一 Pronunciou-se ela, com a voz embargada. 一 ...eu gosto do Frank. Não culpo Leo por isso, mas...
Hazel começou a chorar de novo e eu a abracei para reconfortá-la. Aquela festa foi diferente de tudo o que eu imaginava. Nosso grupo nunca mais seria o mesmo depois daquela festa. Nunca mais nos relacionaríamos da mesma forma. Nunca mais.
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