Primeiras & Únicas Vezes -- II de XXX -- Meu primeiro confidente

 



 Eu sempre fui muito fechado. Conheço gente que é muito boca aberta e que conta tudo se você perguntar. Nunca fui assim. Na verdade, sou daquelas pessoas que morre por dentro e ninguém sabe. Prefiro ficar quieto do que reclamar de coisas fúteis que podem ser facilmente resolvidas. O porém eram as coisas que eu considerava perca de tempo falar sobre.

 Se eu reclamasse de algo era porque tinha passado dos limites para mim, como fora o caso do bullying na segunda e na terceira série. Raramente resmungava ou jogava conversa fora sem motivo. Falando assim, parece bom, mas eu me continha quanto a qualquer coisa. Conversava sobre séries e jogos, nunca expondo os meus sentimentos.

 Meus pais raciocinaram que, como eu era muito responsável, se minhas notas estivessem boas, eu estava bem. Minha irmã se abria comigo e eu me sentia honrado por ela confiar tanto em mim, mas não conseguia retribuir. Não era por falta de confiança ou por achar que ela espalharia por aí. Eu até queria dividir os meus segredos, mas não conseguia. As palavras não vinham. Me dava branco. Tentei explicar isso a ela, mas sentia que ela estava chateada.

 Eu e William estávamos na quarta série, ambos com dez anos, quando eu comecei a me sentir sobrecarregado. Sentia-me incomodado com o tanto que vinha guardando. Reprimir minha vontade de falar sobre meus sentimentos estava me fazendo mal, por isso decidi que, na próxima oportunidade que eu tivesse, diria. Me abriria, mas não com qualquer pessoa.

 Estava chovendo e Will dormiria na minha casa naquele dia. Vez ou outra eu ficava vendo a chuva pela janela e fechava os olhos para ouvi-la quando era a vez do loiro de jogar Sonic. Quando era a minha vez, ele assistia e torcia por mim. Nesse meio tempo, escolhemos um jogo de corrida para jogarmos juntos e então fluiu:


一 Eu não me sinto bem. 一 Afirmei.


 Estava mais seguro de confessar meus segredos porque tranquei a porta, a chave pendurada como um pingente em meu pescoço. O Solace não me questionou, apenas escutou.


一 Não gosto da escola. É sufocante. 一 Desabafei pra ele. 一 Só vou lá por você, Leo e Reyna. Fora vocês, o resto me olha torto por causa daquele grupinho de metidos a besta que foi transferido.


一 Eu sei que lá não é o melhor lugar do mundo, mas eu sempre estarei do seu lado. 一 Confortou-me.


一 E quanto aos outros?


一 Você não deve nada a eles. Ninguém tem o direito de machucar outra pessoa por ser diferente do que está acostumada. Pra mim, você é perfeito e nada mais importa.


 A corrida acabou e eu ganhei. Um peso caiu dos meus ombros, um peso que eu não esperava que me oprimisse tanto.


一 Mas e se eu escolher estudar em casa?


 O loiro sorriu, arrumando os cachos.


一 Vou te apoiar no que decidir?


一 Assim não passaremos mais tanto tempo juntos.


一 Tudo bem. Já fico feliz só de ter algum tempo com você. Não importa o quanto.


 Abracei-o, aliviado por ter exposto minha angústia. Realmente não gostava da escola naquela época, mas frequentava porque precisava, de certa forma. Will me abraçou de volta, acariciando meus cabelos com a mão livre. Depois que nos afastamos, ele riu e brincou com um cadarço que estava solto pelo quarto.


一 Fico feliz que tenha contado isso pra mim.


一 Nunca falei sobres meus sentimentos para ninguém. 一 Confessei, selecionando outro jogo.


 Ouvi-o se ajeitar no chão.


一 Então fui o seu primeiro confidente?


 Sorri, desligando o console.


一 Sempre vai ser.


 William se levantou em um salto e me puxou para cima. Tropecei em seus pés, quase caindo, mas ele me segurou. Quando eu me firmei, ele começou a dar pulinhos de alegria. Na hora soube que surgiu uma ideia genial em sua mente. Suspirei, pensando no que me aguardava. Quando o pequeno Apolo parou, riu.


一 Tive uma ideia genial.


 Sorri de nervoso.


一 Qual é a sua ideia?


 Ele estava tremendo de empolgação, o que não era muito comum de acontecer.


一 Vamos fazer um juramento? 一 Will ergueu seu dedo mindinho.


 Franzi o cenho.


一 Um juramento de dedinho?


一 É. 一 Assentiu. 一 Algum problema?


一 Não é coisa de criança?


 O sorriso dele desbotou. Agora parecia aborrecido, mas não muito. Ele abaixou a mão, me olhando nos olhos. Batidas na porta me forçaram a quebrar o contato visual. Ao destrancar, dei de cara com a minha mãe. Ela disse que o jantar já estava pronto e que era melhor irmos pra cozinha. Seguimos ela, a contragosto.

 Na mesa, eu não falei. Will contou piadas, brincou com Bianca e contou sobre o que nós jogamos. Meu pai só observou. Bia as vezes contava algo que aconteceu na turma dela. Minha mãe é a alma mais bondosa desse mundo. Ela recebeu elogios pela comida e fez poucas perguntas.

 Talvez, só talvez, eu tenha me arrependido do que disse sobre o juramento de dedinho ser coisa de criança. Mas o loiro parecia contente como se tivesse ganho da loteria dos jogos. Fiquei confuso, mas não me manifestei. Andrew as vezes me questionava alguma coisa, mas eu não respondia por estar mastigando o tempo todo.

 Depois do jantar, Leo me ligou pelo telefone fixo e passamos algum tempo conversando enquanto Solace zerava Mario pela déciam sétima vez. Nyssa se metia do diálogo de vez em quando, comentando sobre o que falávamos. Puxei assunto a respeito de Pokemon e contei algumas curiosidades que eu tinha descoberto pesquisando, lê-se assistindo o anime.

 Will as vezes se envolvia e parava para ouvir o dizíamos, durante a troca de ilhas. Tudo estava ocorrendo como o normal, apesar do gelo que dei nele. Por volta das dez horas, Valdez desligou e minha mãe mandou que nos arrumássemos para dormir. Desligamos o console, guardamos os jogos e recolhemos as embalagens de doce.


一 Quer dormir no colchão ou na cama comigo? 一 Eu perguntei, pegando um lençol pra ele.


 O loiro nem hesitou.


一 Na cama com você.


 Sorri, feliz com a escolha dele.


一 Então vá tomar banho que eu já arrumo a minha cama para nós dois. 一 Empurrei-o na direção do banheiro.


 Andrew pegou uma muda de roupa que trouxe, uma toalha e escova de dentes antes de ir. Já eu bati a cama pra tirar a poeira, troquei o forro, afofei os travesseiros, arrumei os lençóis e deixei a luminária de foquete posicionada para o caso de precisarmos nos levantar no meio da noite. Quando eu acabei, ele saiu do banheiro, todo pronto, e eu entrei, todo desorganizado.

 Tomei um bom banho, escovei os dentes, penteei o cabelo pra trás e saí. Pendurei a toalha atrás da porta para secar, liguei a luminária, desliguei a luz do quarto e me guiei no escuro até a cama. Eu arrumei a cama de uma forma em que os pés de William ficassem ao lado da minha cabeça e os meus pés perto da dele, então quando o senti cutucar meu calcanhar, não me surpreendi.

 Me sentei, colocando a luminária no colo, e quase bati na testa dele. Sob a luz bruxuleante do meu "abajur", seu rosto parecia mais velho. Antes que falasse, pus o dedo a frente dos lábios e sussurrei que deveríamos falar baixo ou chamaríamos a atenção dos meus pais. Começamos a sussurrar.


一 Foi muito legal jogar com você hoje. 一 Ele sorriu, nitidamente satisfeito com isso.


 Já eu, estava com o coração na mão.


一 Não está chateado pelo que eu disse? 一 Aproveitei para perguntar.


一 Chateado? 一 Ele franziu o cenho.


一 Insinuei que você é criança, além da conta.


一 Tudo bem. Mas você aceita fazer o juramento?


 Assenti e ergui meu dedo mindinho. Will entrelaçou seu dedo com o meu, sorrindo.


一 Eu prometo te contar absolutamente tudo. 一 Ele jurou. 一 Promete sempre me contar as coisas?


一 Prometo.




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