Chuvinha -- Capítulo Dois

 



 Quando meu ônibus chegou, entrei depressa enquanto me despedia de Nico. Minha cabeça estava um completo caos, o beijo rebobinando sem parar. Ao mesmo tempo que aquilo foi bom, foi estranho. Depois de tanto tempo me esquivando do Di Angelo e me escondendo de sua presença, realizar uma das minhas fantasias erroneamente bobas com ele foi, no mínimo, como um sonho se tornando verdade.

 Mas ficou um questionamento desgraçado na minha cabeça: Como ficava nossa relação agora? Eu queria, e muito, algo mais sério com ele, mas me sinto inseguro se ele só queria me roubar esse beijo para se sentir bem pela reação inicial a Tentativa do Beijo, anos atrás, ou se realmente estava a fim de recuperar nossa intimidade.

 No fundo, no fundo, eu estava com medo de ser rejeitado de novo se corresse atrás como um cãozinho abandonado e carente. Nico nunca foi de brincar com os sentimentos de alguém, sempre valorizou muitos suas poucas amizades e raramente, lê-se nunca, se envolve com outra pessoa romanticamente. Talvez ele esteja tão inseguro quanto eu.

 E, porra... Eu não consigo parar de pensar nele nem por um instante no meu dia. Kayla, minha irmã, diz que eu vivo no mundo da lua. Mas a verdade é que estou sempre pensando naquele moreno gostoso pra cacete.

 Penso no quão pequeno ele é perto de mim, em como é fácil enlaçar sua cintura, em como ele fica lindo sorrindo daquele jeito sarcástico, na maneira como ele faz parecer que tudo ao redor não tem a mínima importância, em como seus lábios são completamente beijáveis e seu corpo completamente tocável. Eu me odeio por desejá-lo tanto.

 Além desses pensamentos, vou ficar me relembrando dessa porcaria de beijo. O melhor que eu já recebi e dei na vida. Quando ele conseguir parar um pouquinho de ser tão irresistível, eu volto a falar com ele sobre sentimentos, porque, aparentemente, tudo em mim trava quando ele toca nesse assunto perto de mim. Imagino se ele olha pra mim e se sente da mesma forma que eu por ele.

 Eu já disse que me odeio por desejá-lo tanto? Vou dizer de novo: Eu. Me. Odeio. Por. Desejá-lo. Tanto.

 Ninguém merece uma pessoa tão carismática, bonita e atraente lhe dando mole e depois esfriando de novo e de novo. Eu achava que tinha algo rolando entre mim e ele antes de começar a bolar um plano pra ficar com ele. A gente se dava tão bem e ficava tão grudado que já achavam que éramos um casal não-assumido.

 Aliás, quem nunca teve uma amizade assim, de acharem que vocês namoram, tá tendo uma amizade errada.

 Mas... Eu deveria ao menos cogitar que ele tá brincando comigo. Nunca fui uma pessoa de esconder meus sentimentos e é meio lógico que algumas pessoas se aproveitariam disso em mim para me manipular. Odeio esse negócio de gato e rato. Detesto que achem que apenas por eu ser mais sensível, sou mais manipulável do que outros mais sérios ou secos.

 Voltando ao que está acontecendo comigo agora. Jerry, meu irmão de, no mínimo, oito anos, está tentando me convencer a emprestar meu livro de Diário de um Banana para ele levar na escola no Dia do Livro. Neguei prontamente e repetidamente. Tenho um trauma horrível envolvendo emprestar meus livros e jurei nunca mais fazer isso.

 Austin está tocando seu saxofone e para para rir da cara decepcionada de Jerry ao ter seu pedido negado. Kayla pergunta como foi e apenas olho pra ela com cara de cansaço. Estou tendo pensamentos negativos sobre Nico e eu, juntos, e isso deve ter transparecido.

 Ignoro minha irmã tentando arrancar informações de mim e me enfio no meu quarto, trancando a porta. Suspiro, voltando a ter minha crise de ansiedade e minha crise existencial. E se eu não for bom o bastante pra ele? Nico é quase um deus! Porra, e eu sou o que? A merda de um adolescente completamente viciado no quão perfeito Di Angelo é. Eu deveria ser preso por ser tão obcecado e principalmente boiola.

 Estou totalmente imerso em pensamentos quando meu pai entra, usando uma chave que dei apenas para Lee, antes que ele morresse. Apolo guardou a chave depois de a encontrar nas coisas importantes dele e usa quando eu estou completamente deprimido pra tentar me tirar do meio da minha mente auto-depreciativa.


一 Will, vem jantar. Fiz uma salada com bacon hoje. 


 Continuei encolhido na minha cama.


一 Correção: Gracie fez salada com bacon...


 Ele ri e assente, meio envergonhado por mentir.


一 Will, meu filho. Você não pode continuar sofrendo assim por esse garoto...


 Suspiro, irritado.


一 Até você? Me deixa em paz. Você não entende como eu me sinto, então não tente me aconselhar sobre isso. Pare de falar de Nico como se ele fosse a causa da minha ansiedade. Nós sabemos muito bem o que desencadeou isso...


 O Acidente não é um assunto que eu geralmente toco, mas, nas poucas vezes que fiz isso, deixa meu pai sem palavras. Temos a mania de, ao invés de dizer diretamente o que acontece, damos um nome a esse evento, doloroso ou não, das nossas vidas. Uma forma para que não doa tanto e nem exponha para quem não queremos que saiba.

 Apolo suspira, pede desculpas e fecha a porta, me deixando novamente no escuro.



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 A escola é uma prévia do inferno e tenho quase certeza de que o Tártaro não se compara ao ensino médio. Yan não queria ir para a escola essa manhã. Sinceramente, não o culpo. Eu só consegui dormir depois de tomar os meus remédios para ansiedade, pensando em como falaria com Nico sobre um relacionamento romântico.

 Gracie só faltou nos bater, nos obrigando a ir. Jerry não ficou contente, pois queria ficar comigo e ver Star Wars. Quase cedi a tentação de assistir minha saga favorita com meu irmão mais novo, quase. Kayla pôde faltar e eu não sei porque diabos eu também não pude. Que tipo de favoritismo é esse? Não há favoritismo entre irmãos!

 Assim que pus o pé no colégio, Jason Grace veio me abordar. Merda...


一 Ei, Solace. 一 Ele sorria.


 Mordi o interior da bochecha.


一 Oi, Grace. Como vai?


一 Bem. 一 Jason parecia muito empolgado. 一 Nico quer falar com você na sala de música.


 Assenti, meio desorientado. Di Angelo enviou seu irmão de consideração pra falar comigo? Algo estava rolando e eu não tinha ciência do que podia ser. Minha ansiedade latejou no peito, me fazendo perder um pouco o fôlego. Passei no banheiro, tentando dissipar os pensamentos ruins. Peguei no bolso a foto que eu tinha tirado com Nico no dia que a gente saiu em uma espécie de encontro no parque de diversões da cidade e aquilo me acalmou.




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