Que Nico estava mais solitário do que nunca, ninguém podia negar. Mas, de certa forma, a solidão o ajudava a pensar racionalmente. Revirava na mente a conversa com o pai, Hades, e parecia que a cada vez que fazia isso, percebia uma nova camada oculta de informação que não tinha ficado tão clara antes.
O menor também não podia negar que seu pai era bem peculiar, no sentido ruim, para deixar claro. Claro, ele sofreu anos e anos, passou por alguns mal bocados com a própria família e não sabia como lidar com a outra que tinha construído. A maioria de suas atitudes eram fáceis de entender, mas as medidas desesperadas que precisou tomar eram as que mais tinham feito estragos.
Expulsar um dos filhos de casa e saber que seria odiado pela esposa, não só por ela também, não devia ser nada fácil para ele, mas mesmo assim o fez por questões de honra. É cômico como as pessoas fazem coisas estúpidas e desumanas por suas trágicas honras, imagens e pelo que os outros acham delas.
A cada vez que pensava nos atos de seu pai, lembrava de como ele os havia justificado. O tom pesaroso parecia ficar cada vez pior a medida que recordava a conversa. Outra coisa era relembrada era sua infância e sua adolescência. Quando criança, seu pai parecia pô-lo dentro de uma redoma de vidro: Não queria que saísse e brigava fervorosamente consigo quando o desobedecia.
A adolescência foi mais dura, mais dolorosa de lembrar. Não o ter por perto era sempre um lembrete de que tinha sido descartado. Se sentia inútil, sozinho. A situação, na sua cabeça, o fazia se sentir culpado por ter sido expulso. Se eu tivesse me esforçado mais, pensava desolado. Eu deveria ter feito o que ele me mandava fazer.
Ao menos, tinha Jason do lado. Ele sim era a fonte de amor fraternal que precisava e a única que podia se dar ao luxo de receber. Bia e sua mãe estavam longe, não podiam abraçá-lo quando tudo parecia mais difícil, não estavam por perto para dar conselhos como sobre prosseguir e se cuidar.
Era uma parte grande e essencial demais da sua vida que tinha sido privado de viver, mas não por escolha própria. Foi praticamente obrigado a tomar inibidores fortes além da conta. Era o único jeito de lidar com aquilo. Um ômega deprimido é algo muito perigoso, principalmente à flor da pele.
Mas, apesar de Nico entender as escolhas do seu pai e as consequências que tiveram que enfrentar, não pretendia se aproximar. As feridas que seus traumas deixavam já haviam se tornado apenas cicatrizes e suas inseguranças já tinham respostas concretas que arrebatavam todas as dúvidas. Estava resolvido consigo mesmo.
Hades era seu pai, mas não tinha sido um bom pai. Na infância, pensava nele como o ditador das regras. Obedecia tudo e engolia cada bronca, mas, depois de tudo o que tinha enfrentado sozinho, não precisava de um pai. Nico já era um adulto, podia cuidar de si mesmo e tinha todo o apoio necessário perto dele.
Mas, sobre a solidão. Will conseguiu um plantão em um hospital importante da cidade. O nosso casalzinho precisa pagar as contas e o Starbucks não rende tanto quanto vocês imaginam.
一 Com o currículo impecável que você tem, é impossível que não consega um bom emprego, mio sole. 一 Assegurou o ômega quando ele ficou meio receoso.
A preocupação principal do alfa não era conseguir um emprego e sim deixar o namorado sozinho. Eles finalmente estavam em uma fase mais agradável e não queria que ele se sentisse abandonado. Mas Nico fez questão de dizer que teria muita companhia. Disse que marcaria de sair com Leo mais vezes, passar um tempo com Jason e Percy, conversar com Piper e até visitar Reyna e a namorada dela, Rachel, de vez em quando.
O loiro ficou um pouco aliviado, mas ainda apreensivo. Garantiu que ficariam o mais colados possível quando tivesse folga e começou seus turnos cansativos no hospital. O salário ainda era razoável por estar apenas começando, mas aumentava alguns dólares a cada semana.
Então, quando a oportunidade apareceu, Nico marcou um piquenique com Jason, Percy e Leo. Iria chamar só Jason, mas sabia que ele ia chamar Percy e, para não ficar de vela, Leo concordou em ir. Cada um levaria alguma coisa legal para comerem e se encontrariam no parque, embaixo de uma árvore que tinha lá.
Mal podia esperar pelo que viria a seguir.
🌙 ✲ 🌙
一 Aí a Annie abriu a porta e ficou nos encarando. 一 Encerrou Jason, nada constrangido.
一 E vocês continuaram transando? 一 Perguntou o ômega, a comida embrulhando no estômago.
一 Sim.
一 Que nojo. 一 Comentou Leo.
Percy estava entretido demais com um misto quente pra fazer algum comentário que complementasse a história. O alfa ao lado dele parecia até orgulhoso de si mesmo. Não é todo dia que você consegue uma história tão... clichê para contar.
一 Contar que já foi pego no flagra transando não é muito animador, Jay. 一 Argumentou Nico, fazendo uma careta de nojo. 一 Você definitivamente não é um bom exemplo.
O loiro franziu o cenho, se dando conta de alguma coisa.
一 Certo. Foi mal por isso, mas... 一 Ele parou, como se ainda não acreditasse nas palavras que iria pronunciar. 一 Você e o Will não transaram ainda?
O ômega corou com o novo assunto posto entre eles. Não era uma questão proibida aos seus ouvidos, mas o deixava desconfortável na maioria das vezes. Lembrem de Lídia, a madrasta de Will, por exemplo. Não era o assunto, mas a pergunta e o tom de voz que a acompanha.
A indagação mais comum e a mais pavorosa era "Quando pretendem ter filhotes?". Essa era a que dava mais medo de ouvir. Andrew e Nico não pretendiam ter filhos tão cedo. Queriam casar, se estabelecer e depois, quem sabe, começar a tentar.
一 Não, não transamos "ainda". 一 Respondeu, emburrado. 一 Por que você não cuida da sua vida sexual ao invés de ficar perguntando da minha?
一 Porque eu me preocupo. 一 Rebateu ele. 一 Você é meu irmãozinho e...
一 Nível de parentesco não tem nada a ver com sexualidade, Jason. 一 Argumentou. 一 Eu e Will já conversamos sobre isso e estamos indo com calma. Não estou seguindo o seu exemplo.
O Grace pareceu desconcertado com aquilo. Percy finalmente ergueu os olhos do misto quente, a boca cheia e os olhos verde-mar indo de um ao outro como se acompanhasse uma partida de tênis superinteressante.
一 O que vocês estavam discutindo? 一 Perguntou, a expressão confusa.
Leo abriu a boca pra responder, mas recebeu um olhar fulminante antes que dissesse qualquer coisa. Percy arqueou uma sobrancelha. Nico suspirou.
一 Seu namorado explica depois. 一 Disse por fim.
E continuaram com as histórias e as piadinhas internas.
一 Leo... 一 Chamou Nico.
O garoto latino ergueu o rosto do prato de purê de batata, um pouco do purê sujando seu queixo e seu nariz.
一 Que foi?
一 Faz um tempo que você não fala sobre você. 一 Começou, curioso. 一 Como estão as coisas com o Frank?
A expressão entristecida do ômega já entregou que não tinha boas notícias.
一 Eu... 一 Ele hesitou. 一 Nós terminamos.
A dor em sua feição era difícil de suportar só de olhar. Ele respirou fundo, deixou seu prato de lado e se sentou mais ereto, se preparando mentalmente para o que ia contar. As lembranças do que ia expor aos seus amigos não lhe causavam muita tristeza e o fazia se sentir muito sozinho.
Jason percebeu o que estava sentindo e pôs a mão sobre seu ombro. Os olhos marejados de Leo o encararam. Nico se aproximou mais e pegou uma das mãos cheia de calos dele nas suas.
一 Vai ficar tudo bem, tá? Estamos entre amigos e só vamos te apoiar, não importando o que tenha feito ou sobrevivido. 一 Discursou para acalmá-lo, esperando ter soado compassivo e que ele se sentisse melhor.
As lágrimas caíram pelo rosto de Leo. Ele fungou e enxugou-as com as costas da mão. O loiro do outro lado afastou uma mecha castanha-escura para longe da vista do ômega. O único alfa presente apertou seu ombro delicadamente e pigarreou.
一 Como foi que isso aconteceu? 一 Jay perguntou, receoso.
O latino olhou ao redor. Suspirou e fez sua escolha mental de palavras.
一 Até dois meses atrás, as coisas estavam boas. Mas foi quando uma antiga amiga dele veio visitar Frank e ele mudou completamente. Ficou mais tenso. 一 A voz dele tremulou ao falar o nome do ex, mas ele não se deixou abalar. Pelo menos, não por muito tempo. 一 Nosso relacionamento ficou muito instável. Qualquer piada que eu fazia, ele me olhava com apreensão, como se pedisse para eu não fazer nada estúpido de novo, como se eu o envergonhasse.
Percy arrotou de surpresa. O clima ficou pesado, mas Leo não tinha nem chegado no meio da história.
一 Como é que é?!?
一 Eu sei, Jay. 一 O ômega suspirou. 一 Mas quem estava ficando tenso era eu. Todos os sinais que ele me passava eram ruins. Eu mal conseguia beijá-lo, nem de selinho, sem que ele ficasse completamente rijo. Ele nem me correspondia. Me afastava irrestritamente. Foi quando ele me chamou pra conversar.
Nico apertou mais sua mão, sendo correspondido no ato.
一 Nós nos sentamos na sala do apartamento dele e Frank começou a dizer o tinha pensado a meu respeito quando nos vimos pela primeira vez. 一 Leo fungou. 一 Disse que estava confuso sobre o que sentia e pediu pra terminar.
Jason olhou para um ponto específico por cima do ombro, avistando um carro estacionando não muito longe.
一 Ele disse que precisava pensar e descobrir o que sentia por ela, finalizando a conversa dizendo que já tinham namorado antes e que realmente tinha gostado de mim. 一 Leo prosseguiu. 一 Pediu para que continuássemos amigos e começou a flertar com ela durante nossos passeios em grupo. Não nos falamos direito desde então.
Percy estava estático, como se a comida pesasse em seu estômago. O Grace apertou o ombro do amigo uma última vez e se afastou, se levantando para bater no recém-chegado e afastar sua companhia: O próprio Frank e a garota da foto de perfil de Leo. O garoto em questão se levantou e foi cumprimentá-los.
一 Seja gentil. 一 Sussurrou para Jason ao passar.
Leo trouxe Frank e a garota para perto do grupo, conversando com eles com um falso sorriso no rosto. Nico olhou para o alfa com ressentimento. Não tinha nada contra ele, Frank tinha sido um dos únicos que confrontou Bryce quando ele começou a implicar consigo e o confortou quando ficou mal por causa do bullying.
Enquanto eles se aproximavam, notou a forma como ele olhava para Leo. Era como se sentisse remorso pela maneira como tinha agido, o que tinha dito e tudo o que estava fazendo ele passar. Obviamente tinha percebido que o sorriso no rosto hispânico era forçado. Apesar de ser uma das especialidades do ômega, pessoas próximas o bastante conseguiam distinguir.
Em pouco tempo, estavam todos se cumprimentando e Leo tomou a dianteira em apresentar a menina que acompanhava Frank. Ela tinha pele escura, linda; olhos dourados como ouro e cachos castanhos com fios dourados incríveis entre as mechas.
一 Este é Jason. Ao lado, o namorado dele, Percy. E este branquelo igual fantasma que está sozinho é o Nico. 一 Ele apontou cada um. 一 Pessoal, está é a Hazel.
A garota já estava com a maior cara de choque olhando para Nico e depois que ele descobriu como ela se chamava, ficou estático pelo tamanho do impacto que o choque teve. Jason teve tê-lo chamado, mas estava completamente entorpecido.
一 Hazel? 一 Conseguiu dizer, com a voz trêmula. 一 Filha de Marie Levesque e Hades.
O Grace arregalou os olhos com o que perguntou e olhou para a garota. Ela sorriu.
一 Sou eu. 一 Ela confirmou. 一 É um prazer te conhecer..., irmão.
C O N T I N U A
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